domingo, 31 de dezembro de 2023

2024 com Maestria

 "O homem que não sabe dominar os seus instintos é sempre escravo daqueles que se propõem satisfazê-los". Gustave Le Bon (1841-1931)

A literatura de Platão e Aristóteles também disseca sobre os prós e os contras das paixões humanas, no entanto, são nas biografias de grandes celebridades que observamos as consequências de seguirmos cegamente nossos instintos. 

Para celebrar o ano que se inicia e começar com o pé direito, a cabeça lúcida e a mente abraçada por cultura de nível, indico logo de cara o filme "Maestro"(2023), da Netflix. Para dizer a verdade, o filme deveria se chamar "Maestro e Maestra" já que a história aborda fielmente a relação amorosa, familiar e profissional de um casal tão eclético tanto na etnia quanto na ética.

Ele: judeu, norte-americano, bissexual convicto, compositor multifacetado, pianista e exímio maestro da Orquestra Filarmônica de Nova York. 

Ela: latina-americana, "uma mulher intelectual e emocionalmente sofisticada", estudiosa de música, ativista política, atriz, mãe e esposa exemplar.

Aparentemente a química perfeita de uma ebulição artística pronta para entrar em erupção. Duas almas que se completavam e culturalmente se multiplicavam a cada composição, apresentação e argumentação. Embora não tardasse a separação, a infidelidade foi inevitável e a consequência foi o crescimento de um câncer como reflexo de rancores reprimidos.

A tão aclamada "licença poética", acaba por deixar feridas incuráveis, talvez por toda uma vida, mas como diriam os artistas, tudo em nome da Arte, mas será? 

Seguir instintos e se entregar a paixões sem contabilizar as dores e perdas da relação é um presságio que todas as excêntricas histórias de amor estão aí para comprovar. Se a filosofia oriental nos ensina o caminho do meio, mas os "artistas" clamam pelos quatro cantos que tem de ser "oito ou oitenta", cabe à quem dá conta das consequências fazer as suas próprias escolhas.

O filme é uma obra-prima e em momento algum há qualquer julgamento sobre as escolhas dos personagens. É lindo perceber que cada um se anulou em certo período para acolher o outro e o quanto isso amadureceu mutuamente o casal. Um filme de arte para se deliciar e reger o ano com aquele antigo ditado de nossos avós: "você pode escolher aprender ou pelo amor, ou pela dor". 

Nós somos o maestro de nossa própria vida!

Um 2024 com muita maestria! 

Cena do filme "Maestro"(2023), da Netflix




domingo, 24 de dezembro de 2023

A natalidade das Árvores

 A história atual da Árvore de Natal remonta um compilado de contos de outras histórias mais antigas apropriadas pelo Cristianismo e associadas ao Capitalismo como festividades em prol do consumismo. O que eu vou contar não será de grande novidade para muitos, mas é sempre bom lembrar e resgatar a origem das nossas crenças e costumes. Sabe se que antes de Cristo e de tantas outras civilizações antigas, em terras longínquas, os celtas, sumérios e povos nórdicos tinham o costume de celebrar os períodos de fartura, colheita e abundância, dada regiões de climas severos e um tanto gélidos, no equinócio de inverno.  Um dos principais rituais era a oferenda de certos tipos de alimentos, ervas aromáticas e símbolos de religiosidade pagãs aos pés de árvores que resistiam baixas temperaturas e, ainda, sim, continuavam verdes e férteis. A árvore era tida como uma entidade sagrada, um prolongamento da representação total da Mãe Natureza, uma extensão da vida humana representada até hoje através da árvore genealógica. Desde liturgias a druidas, duendes, feiticeiras, faraós, deuses, magos, monges, bispos, papas, o rito se prolongou ao longo dos tempos e marcos históricos e cá estamos nós, em pleno calor tropical celebrando um papai noel com galochas, casaco e gorro de lã vermelhos.

Refletir sobre a origem natalina também me fez resgatar um símbolo em especial do Cristianismo, que teve seu alicerce nas bases do Ocultismo: a cruz de três pontas. Adorno simbólico da figura do Hierofante, atualmente representado pelo Xamã, Pajé ou Papa, no jogo do tarô tem sua origem na Triquetra, que é uma representação do infinito nas três dimensões ou eternidade: Virgem, Mãe e Anciã. Também apropriada pelo Cristianismo adotando uma versão masculina, estudiosos começam a refutar a interpretação e tradução de textos levantando questões até que bem pertinentes, como  o termo inglês History. Na tradução para o português, é a união do pronome masculino his (dele) mais o substantivo story (estória), o que seria: a história dele, ou a história contada por eles.

Por aí não fica difícil entender tantas rivalidades e guerras sexistas que se travaram desde então. E se ainda levantam polêmicas como a declaração certeira da escritora britânica J.K.Rowling para o antigo twitter: "mulheres são as que menstruam", estamos realmente precisados de voltar alguns capítulos atrás para entendermos o termo Gaia, ou do que se trata gerar, criar, educar e como é constituída uma árvore genealógica. 

O próprio termo árvore, que vem do galego-português, àrbor, do latim arbos: 'elevado', nos convida a aprofundarmos em suas raízes, encararmos as sombras de sua grandiosa copa e deixarmos que a luz penetre por entre seus galhos e suas folhas para elucidarmos e elevarmos nossos pensamentos. Esta é, de fato, a verdadeira origem da Árvore de Natal, descobrirmos quem somos, de onde realmente viemos e qual o nosso propósito nesta dimensão.

Um Feliz Natal para vocês!


Tamburil, árvore símbolo do Instituto Inhotim, registrada em novembro/2009

Tamburil, registrado em julho/2019

sábado, 16 de dezembro de 2023

O mundo depois da I.A.

Café espresso feito do jeitinho que você gosta, braços biônicos para cortar, modelar, dobrar e carregar, tratores controlados via satélite, luzes e portões eletrônicos que atendem a comando de voz, ou quem sabe até um pet que te faça companhia, mas não estrague seu tapete.
Estas são algumas das milhares de opções da Inteligência Artificial que vieram para ficar e a gente que trate de acompanhar a velocidade destes pseudo-humanoides. A Conferência de I.A. realizada pelo Jornal ARedação no Teatro Sesc/GO na última terça-feira (12/12) reuniu três especialistas no assunto: Renato Naves, Mariana Dalcin e Celso Camilo para elucidarem e desmistificarem a conturbada relação homem x máquina. Segundo o professor Camilo estamos na Era da I.A. e não conseguiremos entender como a tecnologia chegou a este ponto se não revisitarmos o passado. A história da Humanidade conta com períodos de rupturas de cunho intelectual, sendo a primeira delas a Revolução Cognitiva, o homem depois da descoberta do fogo, a Revolução Agrícola, o homem depois da monocultura, a Revolução Industrial, o homem depois da máquina a vapor e a Revolução Tecnológica, o homem na atualidade. 
As maravilhas que a I.A. pode alcançar são infinitas e claro, poderemos nos beneficiar muito com isso, aliás já estamos nos beneficiando. O conforto, a lei do menor esforço, o comando preciso e imediato, além da alta escala de produção, são reflexos da rapidez e eficiência da automação. Mas, e suas consequências? Epidemias, guerra biológica, desigualdade social, desemprego, proliferação do tráfico de drogas, altos índices de suicídio, violência e desequilíbrio ambiental. Para os especialistas da palestra a solução prévia para contornar estas consequências estaria na Educação. Embora, se revisitarmos o passado perceberemos que esta sempre foi uma promessa que anda dois passos para frente e recua um, principalmente em tempos sombrios, como o da Idade das Trevas, a Peste Negra, a Grande Peste e quiçá recentemente com o retrocesso sobre a ideologia incabível da Terra plana e a ascensão da Covid pelo desdém à Ciência.
Conquanto, Steve Jobs e Bill Gates concordassem entre si sobre a proibição de eletrônicos para seus filhos menores de idade, a sociedade segue aclamando tik tokers e avatares como celebridades. Pensar no bem que a I.A. pode fazer por nós está inversamente proporcional ao mal que ela também poderá causar, por isso deixo aqui minha indagação: quais as medidas a serem tomadas para resguardar o nosso equilíbrio mental e nossa privacidade sobre o que consumimos e desejamos, tendo o pressuposto de que nosso CPF já esteja no banco de dados dos chineses, dos russos ou até mesmo no Vale do Silício.
O estilo ficção científica nunca foi muito otimista sobre a excessiva automação, principalmente agora com a polêmica estreia do filme da Netflix "O mundo depois de nós". (Contém spoiler) Dado seu final ambíguo, podemos revisitar o passado e fazer uma análise superficial sobre uma Arca de Noé às avessas, numa seca cibernética, dando fim à navegação virtual (isso fica explícito na cena do navio petroleiro que encalha agressivamente na areia da praia), mas que no desenrolar da trama, os personagens, compostos por casais aptos a procriarem um novo mundo, tem a oportunidade de se abrigarem num bunker hiper-equipado.
Compete apenas à nós seres humanos continuarmos humanos para não perdermos nosso lugar para um desumano. É a máxima darwinista em ação: sobrevive quem melhor se adapta ao meio. 

Cena do filme da Netflix,"O mundo depois de nós", 2023


 

domingo, 3 de dezembro de 2023

Três coelhos

Indícios de que as primeiras religiões politeístas existiam há mais de 5 mil anos ainda é objeto de estudo para aficionados em História, Antropologia e Arqueologia. Hinduísmo, budismo, mitologias gregas, romanas, africanas, cristianismo, judaísmo, espiritismo, islamismo, toda procedência destes movimentos religiosos teve origem da necessidade de sobrevivência entre clãs que ultrapassavam a quantidade de 150 pessoas. Segundo o antropólogo israelense Yuval Harari, a religião é um modo eficiente de comungar milhares de pessoas ao mesmo tempo em prol de um ideal, as convencendo sobre mitos e histórias épicas contadas aos quatro cantos do mundo, que mantêm os membros do clã sob controle e disciplina. Dentre hábitos e ideologias interessantes das religiões, entendemos o quanto elas são necessárias e de certa forma muito eficientes.
Religiosos assíduos em seus rituais litúrgicos praticam o jejum, a abstinência, o ato de ajoelhar para rezar, dançam, cantam, interagem com o próximo com abraços, bênçãos e benzeções. No budismo, assim como o islamismo, judaísmo ou até mesmo os terreiros de candomblé e umbanda podemos presenciar um rito dificílimo de movimentos de braços e pernas, ora com danças extravagantes, aeróbicas, ou quase acrobáticas. O ato de ajoelhar para rezar, orar, entoar mantras, ou meditar, principalmente nas posturas do yoga, ajudam a articular a circulação do sangue no corpo, ativam propriedades musculares que não são exercitadas no dia a dia quando estamos sentados ou caminhando. Disciplinar o corpo e o espírito através das religiões é o elixir para os clãs atarefados demais em se debruçarem sobre estudos de História da Arte, Filosofia e Esportes afins. A religião bem praticada "mata dois coelhos numa cajadada", o exercício físico e o espiritual.
Embora a vida esteja estruturada na tríade: corpo, mente e espírito, ainda faltaria à religião o exercício da mente. Contar histórias, interpretar, ou traduzir livros sagrados é um exercício, mas não contempla a interdisciplinaridade. Não é à toa que ícones da Filosofia romperam amargamente com a religião. Alguns chegaram a declarar que "Deus está morto", ou que a "Arte matou Deus". Há de se levar em conta que alguns destes filósofos exercitavam suas mentes, mas talvez tenham se esquecido de exercitar seu físico ou seu espírito. Manter a tríade do conhecimento em pé não seria só para os letrados, acadêmicos ou catedráticos, mas aos mais sábios, os desapegados, os que renunciam, os que passam pelo inferno, ou os que são literalmente 'crucificados'. Estes sabem reconhecer, na organicidade da vida, o equilíbrio para se chegar aos Céus. 
Ninguém ensina mais que a Mãe Natureza, Gaia, Madre Prima. É Ela quem envia tempestades, que derrubam árvores em cima da gente e de nossos carros, Ela quem acorda vulcões adormecidos, terremotos e tsunamis. Ela quem nutre a terra e a nós, nos ensina sobre sua força e poder, põe à prova a força do nosso corpo, o equilíbrio da nossa mente e a nobreza de nosso espírito. Nos mostra a hierarquia da cadeia alimentar, as fases da Lua, as estações do ano, a seleção natural, a ferocidade dos fenômenos, os mistérios da noite e a clareza da luz.
Quem cuida das raízes de suas árvores, faz a poda de galhos secos, elimina as ervas daninhas, aduba o solo para que seus frutos cresçam com sementes fortes, consegue prevenir a queda e o estrago que uma tempestade pode fazer. Conviver em harmonia com os sinais da Natureza é um hábito diário de observação (corpo), resiliência (mente) e paz (espírito). 
Ela sim mata três coelhos numa cajadada só!

Detalhe da fachada por Morbeck e Larovisk. 
Sol, Lua e mente consciente