domingo, 28 de janeiro de 2024

Ai vs. AI

Uma recente declaração de um produtor brasileiro de bandas de rock, que era influente nos anos 90, causou polêmica e paradoxo sobre ativismo artístico.  Para sair do ostracismo, o 'pseudo-influencer' de meia-idade declarou: "Precisamos urgentemente de artistas novos que não sejam militantes de nada. Que sejam contra a manada, contra o sistema, contra tudo até, mas que tragam algo de novo". 
Em seu último projeto o artista chinês, Ai Weiwei tem transmitido perguntas, principalmente filosóficas, sobre assuntos como humanidade, ciência e política em grandes telas de Londres e de outras cidades como Seul, Berlim e Milão. Cada uma das perguntas é respondida por Ai Weiwei e pela AI-Inteligência Artificial (Chat GPT) para assim serem publicadas no site e nas mídias do CIRCA (Cultural Institute of Radical Contemporary Arts), onde também é aberto um canal ao público de escreverem suas  respostas. Serão realizadas 81 perguntas no decorrer de 81 dias, que foi o período em que Ai Weiwei esteve preso na China, no ano de 2011 e implacavelmente interrogado. (Fonte @artequeacontece) 
A pergunta 7/81 resgata a polêmica declaração dada pelo nosso produtor brasileiro militante de nada: 
"Se um artista não é ativista, ele/ela ainda pode ser considerado um artista?"
Essas indagações e contradições me fizeram lembrar da entrevista concebida por Bernardo Paz, o fundador do Instituto Inhotim à Revista Trip, em 2013, quando declarou que a obra de Beatriz Milhazes não passava de uma apropriação de imagens de cortinas inglesas. Ele queria dizer que não havia discurso crítico, engajamento filosófico, conflito ou qualquer impulso de raciocínio quando se observa a pintura da pintora. Se trata apenas de um deleite com formas e cores bonitas, ponto. Uns milhares de tons sobre tons de Milhazes, sem militância.
Obras como a de Adriana Varejão "tem por trás uma curiosidade, o Ernesto Neto tem uma diversão e uma alegria que se traduzem para a criança, o Cildo Meireles tem a perspectiva da morte". A militância ou ativismo não se trata de escolher um lado político, se trata de ter liberdade para questionar a brevidade da vida e como aproveitá-la com sabedoria, em coletividade: "se os humanos algum dia forem libertos, será porque fazemos as perguntas certas e não porque fornecemos as respostas certas", pondera Ai Weiwei.
Nós temos muitos artistas novos fazendo música sem militância, meu 'querido influencer', mas escuta só no que deu: "macetando, macetando, macetando"... 
Quem diria que a artista que um dia dividiu o palco com Maria Bethânia, hoje se exporia sem pudor, com dancinhas sensuais no tik tok, na batida frenética do funk de mulheres de ventres vazios.
Há de se pensar em como queremos que as próximas gerações entendam o presente para projetarem um futuro menos burro, vulgar, superficial e acomodado. Como diria o mestre ao seu discípulo:
"você reconhece a inteligência de um aluno pela pergunta que ele faz".

O militante artista Ai Weiwei apontando o dedo do meio para o poder (via DAZED)
Créditos Morgan Sinclair, cortesia Avant Arte


 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Sociedade branca, cansada e perdida

Num compilado do primeiro mês do ano, algumas questões pertinentes e desconfortáveis vieram à tona através da escrita, da fala e da atuação de mulheres de meia-idade, brancas e libertárias. A colunista do Jornal Folha de São Paulo, Tati Bernardi escreveu um artigo com uma ligeira indireta a suas leitoras e a si própria, que deu no que falar, intitulado: "Toda mulher branca está cansada". 
A atriz, escritora e multifacetada, filha de Fernanda e Fernando, deu uma entrevista, para a TV Cultura, no Programa Roda Viva esmiuçando o drama atual da sociedade: "a questão do intelectual libertário, hoje em dia, é um pouco privilégio de alienado. Eu acho que quem está meio perdido hoje é o branco libertário, pessoas como eu (e você) ... O problema é que o intelectual branco, antes era porta-voz do povo e hoje o povo fala por si. Eu olho o programa do Mano Brown, ele sabe exatamente o que ele quer, o que ele está fazendo. Quem está perdido somos nós."
E o último dedo na ferida, a personagem de Rosamund Pike, que interpreta uma mulher branca, embora nem tanto cansada, mas bastante perdida, do filme 'Saltburn' (2023), da diretora britânica Emerald Fennell. Indicado ao Oscar 2024 e com um histórico de filmes como 'Bela Vingança' e 'Barbie', a diretora britânica, também branca, bebe nas águas de 'O Talentoso Ripley' e reinventa a história da relação tóxica de uma família rica, excêntrica e egocêntrica, com um convidado acima de qualquer suspeita.
Dentre a cansativa e perdida vida mediana (ou medíocre) de mulheres brancas, ora também ricas, está em voga a 'decadência' de seus respectivos homens brancos, tão perdidos e quase tão 'surtados', a exemplo da notícia do cancelamento da vinda ao Brasil de um pastor norte-americano, que adota textos pró-escravidão.
Perdidos e estranhos também são os discursos psiquiátricos de um médico branco que 'ressurgiu' com as teorias de Lacan para falar bonito aos pacientes e complicar a simplicidade de sermos humanos, humanistas.  Até nosso vizinho latino-americano, que na cansativa lida político-ideológica, se confundiu a respeito do conceito de coletivismo.
Como já dizia Mano Brown e seus comparsas dos Racionais MC's: 
"Mas eu conheço o sistema, irmão
Aqui não tem santo"
Bora descansar rapidinho, estudar bem o trajeto para não ficar perdido no meio do caminho e continuar sempre em frente, irmãos.

Cena do filme Saltburn (2023), disponível na Prime Vídeo

 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Tiozêra

Inúmeras foram as reformas e reinaugurações do Centro Octo Marques, antigo Museu de Arte Contemporânea, no icônico Edifício Pathernon Center. Uma delas, em especial, marcou minha experiência a exposições de arte por lá: a inauguração da mostra "Grandes Tristezas", do artista mineiro Farnese de Andrade. 
A tão esperada e famosa coleção particular de Sebastião Aires de Abreu finalmente seria exposta ao público goiano, em 2002. Tião, generosamente, abriu seu 'porão' e escancarou a verdade oculta de seus desejos, prazeres, angústias, horrores e medos.
Como narrativa emblemática de um tema sombrio e mórbido, a obra do mineiro nos conquista pela arqueologia criativa, sensibilidade e beleza estética de objetos que parecem ter saído de antológicos pesadelos, ou impressões litúrgicas premonitórias.
Além de sinistras, as obras são críticas, astutas, audazes e perceptivas, obras que transitam entre o orgânico (material) e o espiritual (imaterial). Obras que desnudam seu colecionador até o último fio de cabelo, cujo impacto de suas imagens foi literalmente tatuado nas costas deste excêntrico mecenas, que também 'acumula' dezenas de obras do goiano Siron Franco, em seu 'porão'.
Já dizia Carl Jung:
Qualquer árvore que queira tocar os céus, precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos.
Tião vem fazendo esta ginástica, se esticando entre os 'quintos dos enfermos' ao Paraíso. Constrói essa ponte dicotômica com uma diplomacia exótica e democrática.
Expande sua coleção e investe em talentos goianos com vigor e fé.
Invoca a feminilidade e afetividade em sua coleção através das delicadas mãos de uma mulher negra, porém numa pegada mais kitsch e povera, de outra mulher, ironiza a sociedade de consumo.
Absorve a tensão de síndromes psíquicas, como a de alguns artistas bipolares e suas transgressões e rebeldias, no entanto ameniza essa estética com a lógica e a razão de formas geométricas que se multiplicam através do jogo de luz e sombras.
Tião tem uma coleção sóbria, lúcida e cuidadosamente seleciona sempre o que vai compor suas paredes, seu centro de sala, seu sagrado louvor profano à Arte.
Não nos cabe julgar, rotular ou pré-dizer sandices, escrevo do punho da criança que voou de helicóptero pela primeira vez e viu, num lindo dia de Sol, o quanto somos pequeninos lá de cima, no céu azul.
Foi um passeio inesquecível, quando ainda chamava Tião, o Tiãozêra, de "tio", "tiozêra". Foi só depois de comer muito feijão e experimentar muitas loucuras desta vida, que hoje, a criança crescida o considera um amigo, um tio descolado, um quase agregado na família Potrich, né não!?
O texto foi para parabenizar este 'Sinhõ', que completou mais uma volta em torno do Sol e comemorou em grande estilo seu aniversário na Cerrado Galeria, com a mostra "Um Mundo Próprio", pela curadoria de Divino Sobral. Continue rodando o mundo, Tião.
Muita saúde pra ti
imagem do instagram @tiaoabreu
"De olho até onde a Arte me leva... empresto e compartilho todo azul que posso ser" 
Ieda Jardim
imagem do instagram de @ieda_jardim

 

domingo, 7 de janeiro de 2024

Deriva

A mostra "Vida em Coisas" apresentada pelo CCBB-DF, até dia 21 de Janeiro, traz uma seleção representativa da dupla holandesa, Lonneke Gordijn e Ralph Nauta. Criado em 2007, o Studio DRiFT, na tradução para o português: 'deriva', cujo significado faz jus às elaboradas criações destes artistas, trata se da intersecção entre design e arte, tecnologia e natureza, mundo artificial e orgânico onde a dupla intercambia, inventa, fragmenta peças, situações, movimentos e memórias afetivas que provocam nossos sentidos, nos deixando à mercê da dúvida entre a ilusão da matéria e a realidade do sonho.
Eu diria que a mostra é um portal para a tão hipotética 'Matrix', cuja realidade sobre universos paralelos e quinta dimensão se manifestaria na abundância da Natureza e na potencialidade inventiva dos artistas mais sensíveis. 
Nos sensibilizando e nos conscientizando, o conjunto de obras atravessa a fronteira da arte contemporânea e cinética, nos abraça como uma sessão de terapia ou uma viagem interestelar. Converte nossas certezas num plano mítico e tecnológico que extravasa o exercício da paciência e da curiosidade. Que coisa é essa chamada 'Ego'? Fios invisíveis transformados numa gigantesca escultura cúbica flexível, que dança uma coreografia única cada vez que a música da ópera de Orfeu toca, ora se erguendo, ora desabando, ora se esticando para o lado direito, ora para o lado esquerdo, ora se divergindo em simetria. O quê, por fim, faz desta ordinária dança um espetáculo extraordinário? O caos, a ordem, a sua unicidade?
"Vida em Coisas" é apenas um recurso ilustrativo que a dupla holandesa concebeu para podermos explorar este movimento contínuo, belo e transitório de nos sentirmos vivos. 
A Natureza e a dimensão dos saberes artísticos, científicos e espirituais são muito mais infindas do que nossa vã filosofia pode imaginar. Fiquemos então, por hora, com estas reflexões das 'coisas' da vida:

"As coisas tem peso, massa, volume, tamanho
tempo, forma, cor, posição, textura, duração
densidade, cheiro, valor, consciência
profundidade, contorno, temperatura
função, aparência, preço, destino, idade, sentido
As coisas não tem paz"
'As coisas não tem paz', Arnaldo Antunes

CCBB-DF, vista panorâmica

Instalação Shylight, na Galeria de Vidro, CCBB-DF