O prazer do movimento na arte brasileira
Me
propus o desafio de fazer um ensaio bem resumido, sem qualquer pretensão, mas
com alguma emoção, acerca da surpreendente história da arte brasileira baseado
nas minhas experiências, estudos e pesquisas de campo.O
sociólogo pernambucano, Gilberto Freyre trouxe uma interessante passagem do
historiador suíço, Siegrief Giedion, no seu livro Casa-Grande e Senzala (1933), em nota de rodapé, sobre o processo
de mecanização da rede indígena ou cama brasileira (Brazil bed) e a mecanização baseada em mobilidade:"Desse
processo se aproxima (segundo o suíço), a arte do escultor norte-americano, Alexander
Calder (1898-1976), na qual a obsessão do artista pela solução dos problemas de
movimento teria encontrado a sua primeira expressão artística. A rede,
entretanto, pode ser considerada manifestação já artística do gosto do repouso
combinado com o prazer do movimento, que se comunicou dos indígenas da América
aos primeiros conquistadores europeus do Continente, entre os quais Cristovam
Colombo, em 1492."Os
indígenas, intuitivamente, já compreendiam bem desde a fenomenologia do
filósofo francês Merleau-Ponty às teorias estéticas publicadas no De Stijl, pelo artista neerlandês Theo van
Doesburg, apenas em observar o meio ambiente. Do artesanato à arte erudita o
salto equivalente se deu através da elaboração de fabulosos cocares, minuciosas
tecelagens e trançados em palha, sofisticadas pinturas corporais e as formas
orgânicas em artefatos domésticos e utensílios para caça e pesca perfeitamente
confeccionados para o uso diário.O
esmero do trabalho artístico indígena traduzia uma celebração à vida, aos
deuses e principalmente à natureza.
Acredito que a arte brasileira nasceu deste contato puro e ingênuo com a
terra, com o movimento das águas e a biodiversidade. Foi a inexata geometria
indígena que inspirou nossos primeiros artistas, nossos mestiços, antropófagos,
grupos revolucionários ou de ruptura, à frente de seu tempo, neoconcretos, verdadeiros
vanguardistas. Depois da Revolução Industrial, do Futurismo, do Suprematismo, do
Abstracionismo e demais "ismos" que vieram do outro lado do oceano,
ascenderam se as faíscas para uma retomada às referências genuinamente
brasileiras.A
Semana de Arte Moderna (1922), como efeméride da Independência da República,
teve sua grande parcela de responsabilidade quanto à ânsia de nos alimentarmos
das culturas alheias, no entanto foi o Movimento Neoconcreto (1959) quem
abraçou a pureza das formas e cores se aproximando mais ainda das nossas
origens, dos efeitos geométricos em constante transição, da graça e mistério na
interação com as obras, do prazer combinado com o movimento.O
Neoconcretismo catalisou os efeitos seguintes da arte brasileira se desdobrando
em ideais de interatividade como em obras da Nova Objetividade na década de 60,
transmitindo posteriormente estes mesmos ideais para obras conceituais da
década 70, assim como a poesia concreta da década de 80, em movimentos urbanos,
que democratizam e interagem com a cena da cidade como o grafite, se expandindo
na fotografia, artes cinéticas, robóticas e ainda invadindo a linha tênue entre
arte e design em projetos de iluminação, gráfico e moda.O
prazer do movimento associado à participação ativa ou passiva sempre fez parte
da nossa cultura, ele apenas descobriu outros meios de se manifestar
artisticamente ao longo dos séculos!Crédito para imagem: Hélio Oiticica e
Neville D’Almeida, Cosmococa 5 Hendrix War, 1973, projetores, slides, redes,
trilha sonora (Jimi Hendrix) e equipamento de áudio, dimensões variáveis. Blog
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