domingo, 31 de outubro de 2021

Simplicidade criativa

Minha ausência nos últimos domingos tem uma justa explicação, estive imersa numa experiência cultural preciosa em terras mineiras e queria compartilhar com vocês esta vivencia. A Semana Criativa de Tiradentes, que acontece há 5 edições foi uma retomada muito bem vinda após a providencial reclusão pandêmica. A receptividade da cidade histórica, os cidadãos, palestrantes convidados e todos os envolvidos foi um presente para a cultura brasileira, um abraço caloroso dos braços e mãos de tantos artesãos e designers que estão criando novas perspectivas de produção e mercado. O circuito de rodas de conversas, palestras, lançamentos de livros e resultado das oficinas de produtos locais foram catalizadores para uma geração de ouvintes entenderem que ninguém produz mais nada sozinho. O resgate do modo de fazer artesanal aliado aos conceitos da estética do design foi o mote principal  das conversas com Zizi Carderari e a artesã cearense Evanilce Souza (Nequinha), dos designers Ana Vaz e Ronaldo Fraga, as artesãs Andreia Luiza Tolentins e Maria Zélia dos Santos, Ana Cristina Alvarenga Lage, da Fundação Renova e Miriam Rocha, da ACG, oferecimento "Minha Casa em Mim". Um papo sério dando luz às comunidades indígenas foi mediado pelo designer, Paulo Alves e o engenheiro ambiental Angelo Chaves que apontaram caminhos para a sustentabilidade e diálogo com os povos da floresta num entendimento para o uso consciente da madeira. A enriquecedora palestra da curadora paulista, Adélia Borges que nos contou um pouco de sua trajetória, num olhar pertinente sobre a importância da produção da arte popular do país e o efeito construtivo de afirmar nossa identidade como nação, que cria e expande sua própria cultura. E para fechar com chave de ouro um time de peso, com uma conversa cheia de informações e maturidade com os designers Zanini de Zanini, Gustavo Bittencourt, Juliana Vasconcellos, Olavo Machado Melo, Rodrigo Othake e Ronald Sasson, que falaram da carreira, mercado e os desafios da profissão. 

Sem dúvida a conclusão que cheguei é que tudo, tudo, tudinho está no berço de nossa casa, no seio caloroso da mãe que nos acolhe do frio e do choro, na casa que tem cheirinho de café coado na hora, no balanço gostoso da rede, no som suave do canto dos passarinhos, na verdadeira valorização da simplicidade, do aconchego, do chamego da brasilidade. Impossível falar sobre criação sem ter uma referência afetiva, uma avó que costurava e bordava, um ascendente que talhava a madeira em forma de bicho, de deuses e híbridos, nas roupas quentes, leves e confortáveis, tecidas e pintadas por mãos negras, amarelas e pardas. Tudo vem da semente para se fazer raiz, para florescer e dar frutos. Mas a terra tem de estar fértil e regada todo santo dia! Quem valoriza suas raízes ganha o terreiro, ganha o mundo. Quem valoriza a coletividade ganha auto estima e satisfação pessoal!

Foi um evento inesquecível e uma faísca de esperança para mim, que pude constatar que ainda existem pessoas que acreditam no resgate cultural, no diálogo contemporâneo com nossas origens, na produção artesanal consciente e no cuidadoso olhar da estética da arte popular.

"A simplicidade é o último grau de sofisticação". Leonardo DaVinci

Colar Choker Moitará

Eu e o Ronaldo Fraga | 
5ª Semana Criativa de Tiradentes.

Adélia Borges, eu e Regina Galvão | 
5ª Semana Criativa de Tiradentes.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Coração ao Cubo

Reflexões matinais que batem forte ao coração: começando com uma terça-feira de feriado pela padroeira do Brasil, a Nossa Senhora Aparecida e o famigerado dia das crianças. 

Os noticiários, ou podcast poderiam ser substituídos pelo neologismo tipo: "fofoctícias" (fofoca + fictício + notícias). O historiador israelense, Yuval Harari, no seu livro "Sapiens"(2011), descreve a fofoca como fonte de informação substancial na sociedade, através dela se descobrem segredos, se derrubam impérios, se traem e se atraem. O resultado de uma boa fofoca pode provocar mudanças significativas se conduzidas com inteligência e perspicácia, ou não. 

Para comemorar o dia da criançada queria relembrar um caso recorrente, mas que gerou vários holofotes em tabloides mundiais. A cantora americana Britney Spears (1981)  conseguiu sua independência financeira após um período de 13 anos sob a tutela de seu pai. Existem divergentes argumentos sobre o episódio, mas constatar o patriarcalismo vigente e operante a cada dia, ainda mais sobre uma mulher já beirando seus 40 anos parece até ficção. Essa tendência é tão surreal quanto uma menina se casar com um sheik idoso, no entanto as famosas fofoctícias se tornaram naturais entre nós há tempos.

Elas sempre foram uma constante entre celebridades. O filme biográfico sobre Steve Jobs, disponível na Netflix mostra seu lado insensível e cético, assim como suas frias criações. Expõe a ausência paterna e frígida condição para incentivar e investir na educação de sua única filha. O mal comum entre os gênios da humanidade, o fatal narcisismo.  

Uma ficção, mas com pitadas de realismo psicótico é o filme da Disney, "Cruella", que conta a disputa familiar entre mãe e filha sobre um talento hereditário da alta costura e um destino trágico e dramático. Poderia ficar aqui citando e recitando casos caóticos, mitológicos e até comuns entre as famílias de bem, mas a verdade é que as crianças são o reflexo da imagem e semelhança de seus pais e mães. 

O lado bom de ser criança é que a gente começa a aprender a viver na 'sofrência' desde os bullings de outras crianças além da pressão psicológica no seio caloroso da própria família. Quanta porrada verbal trocamos uns com os outros, quanta falta de gentileza, mas claro que superamos, porque para todo mal há cura, há a reza, oração,  meditação,  concentração, malhação, estudo e trabalho que acabam fazendo um contraponto.


Infelizmente ainda não existe um manual para educar crianças em momentos de tensão, fome, raiva, tpm, quebradeira... Mas a vovó sempre tinha uma frase na ponta da língua: "Amor! Amor, minha filha. Família que se ama, família que se sofre". Nonna não era pretinha como Nossa Senhora Aparecida, era uma italiana genuína que depois de certa idade se tornou uma Santa para nós! Com ela aprendi a rezar, a tentar esperar ao invés de duvidar, a entender e perdoar os erros de meus pais. 

Entre fofoctícias, sincericídios e psicopatismos vamos amando, educando na medida do possível, orando e acreditando nesta nova geração transgênica da maçã. Seguimos acreditando no amor do outro, no amor em dobro, ao quadrado, ao cubo e sempre! Felicidade ao Cubo às nossas crianças!

Ilustra o texto "Coração ao Cubo"!





domingo, 3 de outubro de 2021

Divagar é preciso


Certa vez, numa despretensiosa conversa com um crítico de arte goiano, divagando a respeito do Movimento Neoconcreto, chegamos à conclusão que este foi o maior e mais significativo evento da arte brasileira. Não querendo desmerecer a Semana de Arte de 1922 seguido do Manifesto Antropofágico, ou movimentos afins da década de 60 como Grupo Frente e Ruptura, mas no aspecto sóciocultural do contexto histórico ele impactou mais a nossa auto afirmação como cultura genuína do que qualquer outro. A proposta do Manifesto Neoconcreto (1959) escrita pelo escritor Ferreira Gullar (1930-2016) sugere uma experiência com sensações táteis entre espectador e a obra de arte, revela uma empatia às formas geométricas e sublima (em nossa opinião), mesmo que imperceptível um gosto pelas cores e formas indígenas. Mas é claro que esse "programa de índio" foi só uma divagação, porque as bases estruturais do Neoconcretismo foram fundadas a partir de teorias e práticas quase que totalmente científicas. Sua maior referência foi a escultura Unidade Bipartida, destaque da Bienal Internacional de São Paulo (1951) do artista suíço Max Bill, que englobava o Teorema de Pitágoras, a Tabela de Fibomacci e Fita de Moebius. Onde a arte indígena entraria nisso tudo é uma grande teoria da conspiração, mas que o nosso papo rendeu, rendeu...

Fui convencida piamente, através da minha particular trilogia literária, que todo e qualquer movimento artístico brasileiro tem o pé na cultura indígena. “Casa-Grande & Senzala” de Gilberto Freyre (PE), “Viva o Povo Brasileiro”, de Ubaldo Ribeiro (BA) e “O povo Brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”, de Darcy Ribeiro (MG) são livros que tem em comum a dissertação sobre o processo de formação sociocultural brasileiro. Pode até parecer loucura, porque não sou nenhuma PhD ou Doutora na área, mas é inevitável pensar em geometria, ou na cor do vermelho encarnado, ou na proposta de interatividade sem resgatar nossas origens ancestrais, nossos rituais, nossa característica primitiva de ser. Numa passagem do livro de Freyre ele ressalta a fenomenologia do filósofo, Merleau Ponty, quando relaciona o paradoxo sobre a rede indígena, onde o repouso é a consequência de um movimento.

Nessa ideia desenvolvi minha pesquisa na joalheria. Minha produção inicial foi com fios de cobre e alumínio esmaltados, cujo manuseio me presenteou com salientes calos, que até hoje preservo nas palmas das mãos. Resultado de uma frenética execução artesanal, decidi frequentar oficinas e cursos de ourivesaria para simplificar meu sofrido e calejado trabalho manual. Doce ilusão, a joalheria é uma arte para dedicados e pacientes artesãos. Enfrentar o cadinho e sua temperatura, medir força e técnica com o laminador, além da cuidadosa percepção e experiência para saber fazer soldas é um trabalho para quem tem vocação. Por isso, decidi executar protótipos e desenhos para materializar peças inspiradas nas teorias do Neoconcretismo, mas sem esquecer da minha origem, do meu passado, da minha tatataravó pega à laço pelo libidinoso tatataravô português.  

Se eu divaguei com o crítico de arte goiano, por que não divagar aqui com vocês, não é!?

Ilustra o texto Pingente Cubos com dobradiças. Foto Rafael Manson.