terça-feira, 10 de junho de 2014

Joias Brasileiras



Se  um dia me perguntassem quem foi o primeiro designer de joias do mundo, eu diria: os homens das cavernas.
            O ser humano tem a fantástica capacidade de desenvolver estratégias de sobrevivência que lhe facilitam e proporcionam prazer consciente ou instintivo.  Ao fazer uso de dentes, ossos, presas, conchas, couro, pêlos, pedras e outros elementos achados ou adquiridos na natureza, ele os transformam em patuás, ornamentos de beleza, objeto de matrimônio, troféus de caça ou exibição de status à sua comunidade. Seja numa cerimônia aos Deuses, seja num baile imperial, a ornamentação corporal sempre esteve presente na humanidade.
            Tentando traçar um breve histórico da joalheria, a perita judicial em design de joias, Eliana Gola descreve o quão  importante é delimitar o que é joia e tentar defini-la. No livro The art and craft of jewellery, de Janet Fitch, na introdução sobre o tema fica clara essa definição, onde cita que "a história convencional da joalheria é narrada a partir do ouro, prata e pedras preciosas, numa sucessão de colares, cetros, coroas e tiaras fabricadas para reis e rainhas. Porém existe outra, uma história paralela sobre antigos objetos decorativos de amplos grupos espalhados pelo mundo à fora. Nação, costume, etnia e joalheria de design moderno são partes desta história alternativa, onde o ornamento não obedecia regras."
            Assim como hoje existem designers que utilizam materiais alternativos em suas peças, antigamente os primatas já o faziam. Quando digo, materiais alternativos me refiro à algo que saia do padrão tradicional da joalheria como as pedras não polidas, pele, chifres, cerâmicas, penas, fibras, madeira, etc. Ao investigarmos a cultura dos povos da antiguidade, seus adornos, adereços de adoração, emblemas e significados nos surpreendemos com a qualidade e ousadia de criação de nossos antepassados.
            Tal qual uma joia de metal precioso, a arte plumária dos indígenas brasileiros, com sua minuciosa confecção manual, exuberância estética entre cores e equilíbrio simétrico, assim como a raridade das espécies capturadas (visto que atualmente a fauna e flora regram por grande proteção ambiental) possui altíssimo valor de mercado. "Se compararmos a arte européia e a arte indígena, veremos que, se na Europa começava o interesse pela botânica e floricultura, manifesto na joalheria, os índios brasileiros sempre a tiveram como inspiração." Eliana Gola também classifica valiosa a diversidade e excelência de pinturas corporais de algumas tribos, contando que elas também fazem parte do ornamento físico e tem grande importância simbólica para os rituais.
            A partir da descoberta do ouro no Brasil, no século XVII, principalmente em Minas Gerais a corrida pelo metal faz antecipar uma popularidade internacional, resultando no que Gilberto Freyre descreveria de "caldeirão cultural". Os ourives, que antes vinham de Portugal, agora eram os ditos "impuros", mestiços, ou brasileiros que se dedicavam à profissão utilizando técnicas e sabedoria de seus antepassados. Misturando uma série de materiais alternativos como contas de castanhas, pau-brasil, ossos ou presas de animais nativos, dá-se aí o início de uma identidade nacional, baseada nas crendices populares, miscigenação, elementos resgatados na natureza e motivos da brasilidade.
            Assim como os indígenas, os africanos ou a realeza européia, a corte brasileira também desfilava seu status e poder nas festas através de suas joias e pedras preciosas, mas com um pequeno detalhe, suas escravas também tinham de usá-las. As conhecidas joias de crioulas eram confeccionadas exclusivamente para essas escravas. São assim chamadas porque eram criadas dentro do ambiente da nobreza, isto é, dentro da casa-grande e não na senzala. As amas de leite, ou afilhadas, até mesmo as amantes dos senhores possuíam suas próprias joias. Atualmente, seria como possuir um carro de luxo e o exibir à sociedade, quanto mais riqueza tivesse mais joias se adornaria a crioula.
            Com o passar do tempo e o enfraquecimento da política de escravidão as próprias escravas compravam sua alforria com suas joias. Os adornos englobavam uma mistura de temas da joalheria portuguesa com a africana, fortemente manifestada por motivos religiosos ou profanos. São conhecidas as peças que incluem ébano, búzios, piaçaba, corais, marfins e cristais. Laura Cunha editou um livro de imagens e história das Joias de Crioula, onde fez uma maravilhosa seleção de peças, principalmente dos famosos balangandãs. Num conjunto harmônico de pingentes, o balangandã era peça fundamental na ornamentação da crioula. Cada pingente tinha seu significado, sua simbologia litúrgica ou sua função de proteção. Também eram peças barulhentas, visto que presas aos tornozelos ou cinturas informavam o local exato das escravas.
            A história da joalheria brasileira ainda é pouco explorada, porém muito valiosa. Não por acaso, um dos raros mantos tupinambás está num museu da Dinamarca. Peças em cerâmica, de índios Carajás ou marajoaras, cocares elaborados com espécies de pássaros já extintos, ou estão nas mãos de meticulosos colecionadores ou em instituições estrangeiras. Nosso legado como designers é o de acrescentar às gerações próximas a nossa verdadeira herança cultural. Seja pelo desenvolvimento de novas técnicas, seja no resgate de nossas raízes. Façamos assim um inesquecível casamento entre o passado e o futuro!