Joias Brasileiras
Se um dia me perguntassem quem foi o primeiro
designer de joias do mundo, eu diria: os homens das cavernas.
O
ser humano tem a fantástica capacidade de desenvolver estratégias de
sobrevivência que lhe facilitam e proporcionam prazer consciente ou instintivo. Ao fazer uso de dentes, ossos, presas,
conchas, couro, pêlos, pedras e outros elementos achados ou adquiridos na
natureza, ele os transformam em patuás, ornamentos de beleza, objeto de
matrimônio, troféus de caça ou exibição de status à sua comunidade. Seja numa
cerimônia aos Deuses, seja num baile imperial, a ornamentação corporal sempre
esteve presente na humanidade.
Tentando traçar um breve histórico
da joalheria, a perita judicial em design de joias, Eliana Gola descreve o
quão importante é delimitar o que é joia
e tentar defini-la. No livro The art and
craft of jewellery, de Janet Fitch, na introdução sobre o tema fica clara
essa definição, onde cita que "a história convencional da joalheria é
narrada a partir do ouro, prata e pedras preciosas, numa sucessão de colares,
cetros, coroas e tiaras fabricadas para reis e rainhas. Porém existe outra, uma
história paralela sobre antigos objetos decorativos de amplos grupos espalhados
pelo mundo à fora. Nação, costume, etnia e joalheria de design moderno são
partes desta história alternativa, onde o ornamento não obedecia regras."
Assim
como hoje existem designers que utilizam materiais alternativos em suas peças,
antigamente os primatas já o faziam. Quando digo, materiais alternativos me
refiro à algo que saia do padrão tradicional da joalheria como as pedras não
polidas, pele, chifres, cerâmicas, penas, fibras, madeira, etc. Ao investigarmos
a cultura dos povos da antiguidade, seus adornos, adereços de adoração,
emblemas e significados nos surpreendemos com a qualidade e ousadia de criação
de nossos antepassados.
Tal
qual uma joia de metal precioso, a arte plumária dos indígenas brasileiros, com
sua minuciosa confecção manual, exuberância estética entre cores e equilíbrio
simétrico, assim como a raridade das espécies capturadas (visto que atualmente
a fauna e flora regram por grande proteção ambiental) possui altíssimo valor de
mercado. "Se compararmos a arte européia e a arte indígena, veremos que,
se na Europa começava o interesse pela botânica e floricultura, manifesto na
joalheria, os índios brasileiros sempre a tiveram como inspiração." Eliana
Gola também classifica valiosa a diversidade e excelência de pinturas corporais
de algumas tribos, contando que elas também fazem parte do ornamento físico e
tem grande importância simbólica para os rituais.
A partir da descoberta do ouro no
Brasil, no século XVII, principalmente em Minas Gerais a corrida pelo metal faz
antecipar uma popularidade internacional, resultando no que Gilberto Freyre
descreveria de "caldeirão cultural". Os ourives, que antes vinham de
Portugal, agora eram os ditos "impuros", mestiços, ou brasileiros que
se dedicavam à profissão utilizando técnicas e sabedoria de seus antepassados. Misturando
uma série de materiais alternativos como contas de castanhas, pau-brasil, ossos
ou presas de animais nativos, dá-se aí o início de uma identidade nacional,
baseada nas crendices populares, miscigenação, elementos resgatados na natureza
e motivos da brasilidade.
Assim
como os indígenas, os africanos ou a realeza européia, a corte brasileira
também desfilava seu status e poder nas festas através de suas joias e pedras
preciosas, mas com um pequeno detalhe, suas escravas também tinham de usá-las.
As conhecidas joias de crioulas eram confeccionadas exclusivamente para essas
escravas. São assim chamadas porque eram criadas dentro do ambiente da nobreza,
isto é, dentro da casa-grande e não na senzala. As amas de leite, ou afilhadas,
até mesmo as amantes dos senhores possuíam suas próprias joias. Atualmente,
seria como possuir um carro de luxo e o exibir à sociedade, quanto mais riqueza
tivesse mais joias se adornaria a crioula.
Com o passar do tempo e o
enfraquecimento da política de escravidão as próprias escravas compravam sua
alforria com suas joias. Os adornos englobavam uma mistura de temas da
joalheria portuguesa com a africana, fortemente manifestada por motivos
religiosos ou profanos. São conhecidas as peças que incluem ébano, búzios,
piaçaba, corais, marfins e cristais. Laura Cunha editou um livro de imagens e
história das Joias de Crioula, onde fez uma maravilhosa seleção de peças,
principalmente dos famosos balangandãs. Num conjunto harmônico de pingentes, o
balangandã era peça fundamental na ornamentação da crioula. Cada pingente tinha
seu significado, sua simbologia litúrgica ou sua função de proteção. Também
eram peças barulhentas, visto que presas aos tornozelos ou cinturas informavam
o local exato das escravas.
A história da joalheria brasileira
ainda é pouco explorada, porém muito valiosa. Não por acaso, um dos raros
mantos tupinambás está num museu da Dinamarca. Peças em cerâmica, de índios
Carajás ou marajoaras, cocares elaborados com espécies de pássaros já extintos,
ou estão nas mãos de meticulosos colecionadores ou em instituições estrangeiras.
Nosso legado como designers é o de acrescentar às gerações próximas a nossa
verdadeira herança cultural. Seja pelo desenvolvimento de novas técnicas, seja
no resgate de nossas raízes. Façamos assim um inesquecível casamento entre o
passado e o futuro!