segunda-feira, 24 de março de 2014

Joias, Champagne e Luxo para todos

 



JÓIAS, CHAMPAGNE E LUXO PARA TODOS

O maior concurso de jóias do mundo realizado pela AngloGold Ashanti promoveu, em 2006, uma videoconferência com transmissão para mais de oito capitais  do país, onde estive presente, em Brasília. A videoconferência foi ministrada por várias entidades, dentre elas o presidente da mineradora e a dupla de designers brasileiros Humberto e Fernando Campana. A palestra se deu entre imagens avassaladoras do Brasil como o Carnaval, as favelas, os aterros sanitários, o artesanato popular e os camelódromos, as praias e as mulheres, a biodiversidade e finalmente as contradições sociais de um país tão grande e diversificado. O objetivo foi instigar o grupo de ouvintes a uma investigação minuciosa de nossas origens e a capacidade de organização das imagens e idéias à pesquisa do produto final, isto é a jóia conceitual. Este foi meu primeiro encontro indireto com a dupla, que esplendorosamente nos deixou uma mensagem muito sincera, o inusitado se encontra nas coisas mais simples.

No ano de 2010 finalmente os conheci pessoalmente no lançamento do livro Complete Works Campana Brothers (so far), numa loja de decorações em Goiânia. A mostra de design trouxe alguns dos mobiliários da dupla, como a linha de cadeiras Sushi e, claro a presença dos designers para a noite de autógrafos. Simpáticos e pacientes, Fernando e Humberto curtiram a tietagem goiana e nos contemplaram num encontro com a magnitude do design brasileiro que foi e é reconhecido e premiado mundialmente. Desde o mais experiente profissional ao mais curioso e inocente convidado, as formas, cores e materiais atraíram os olhares e atenções, isso porque suas obras transcendem as fronteiras entre arte e design. Eles ignoram todas as convenções do design tradicional, brincam com a noção de funcionalidade e formam seus objetos poéticos a partir de realidades contraditórias.

Humberto queria ser índio. Fernando astronauta. Os irmãos faziam os próprios brinquedos desde crianças e a infância no campo foi determinante em seu trabalho. Conta Humberto, em entrevista à Revista Casa Claudia que, “... a gente queria fazer uma fusão entre caipira e urbano (...). Vivemos num país naif, caótico, colorido e, logo percebemos que teríamos que trabalhar com a imperfeição.”

Uma dessas imperfeições foi parar no Hotel Du Marc, na França. “La Gloriette” dos Campana foi feita sob medida para a Veuve Clicquot. Nos antigos palácios europeus, desde o século XII e hoje, em espaços que possuem áreas para jardinagem, a edificação gloriette (gloire do francês que significa pequeno cômodo) é muito apreciada por moradores e visitantes. Situada em local alto de destaque a obra é um misto de técnicas arrojadas e do romantismo do século XIX, num moderno gazebo que simula o crescimento das vinhas. Sua cor faz alusão às folhagens dos vinhedos e principalmente ao rótulo do champagne mais desejado do mundo.

O luxo de suas criações vai além do mobiliário. Os Campana em parceria com a joalheria H.Stern criaram uma coleção formidavelmente criativa e inusitada. Movimentos, articulações e originalidade são um dos adjetivos das jóias que mais se parecem obras de arte. Inspirado nas madeirites, nos papelões de embalagem, tubos plásticos, cordas, ralos, casulos e texturas orgânicas a dupla nos surpreendem quando integra o rústico à técnica da ourivesaria. Roberto Stern, em prefácio do catálogo Campana descreve: “São ousadas, uma ruptura com o tradicional e um passo adiante em tudo que é feito atualmente em joalheria. O resultado foi registrado neste catálogo pelo olho mágico do fotógrafo suíço Michel Comte. Ninguém mais sensível do que ele, que divide seu tempo entre fotos de celebridades e de guerras, para interpretar um trabalho nascido de contrastes.”

Mas não só os nobres têm acesso aos produtos Campana. A marca Melissa lançou uma linha de sapatilhas e bolsas assinadas pela dupla. Também foram convidados pela grife francesa Lacoste para inventar, brincar e adestrar seus lindos jacarezinhos. É verdade que algumas peças tiveram edições super limitadas, contudo os designers também formataram suas embalagens exclusivas, em palha e lona.

Em comemoração aos 150 anos do Grupo Monte-Carlo SBM, a dupla abriu a mostra Dangerous Luxury que foi até o dia 20 de julho deste ano, no Salão Sporting d’Hiver, em Mônaco, onde interrogou o público acerca do conceito do luxo e sobre como um objeto popular ou do cotidiano pode se transformar em objeto de luxo. 

Simples e sensíveis estes sonhadores transformam o lixo em luxo, o rústico em sofisticado, o artesanal em larga escala. Adeptos à sustentabilidade e trabalhando pela “humanização do design”, tem como prioridade o respeito ao meio ambiente e a natureza. Carinhosamente relembram a infância na cidade de Brotas, em São Paulo e guardam lembranças de histórias e feitos, como a primeira casa na árvore. Enquanto Humberto cria seus objetos como um artesão e artista autodidata, Fernando participa como um arquiteto experiente. Uma união perfeita entre familiaridade e  profissionalismo. Um casamento que realmente nos enchem os olhos e a alma! Vida longa ao talento desta dupla brasileira!

TATIANA POTRICH

quarta-feira, 19 de março de 2014

O artista da alma


O artista da alma


“Tanto riso, oh tanta alegria
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão.” (Zé Keti)

Pagliàccio, do italiano, palhaço, nome do tipo cômico do teatro tradicional. O personagem tinha esse nome por se vestir com roupa bizarra, feita com o mesmo tecido listrado dos colchões de palha (paglia, em italiano). Há vertentes de que este personagem exista a milênios antes de Cristo, quando os atores gregos pintavam o rosto todo de branco e de preto, os olhos e a boca, para realçar mais as expressões faciais, como alegria e tristeza. Existem ainda relatos de que os palhaços, na Antiguidade, eram bobos da corte, que divertiam a realeza com suas fanfarrices.
Famoso pela arte de fazer rir, o palhaço não só interpreta um personagem cômico, como também é um ator múltiplo. Entre malabarismos, acrobacias, adestramento de animais e instrumentista, ele se multiplica para cumprir todas essas funções e, por fim, exercer a sua. Tanto dom para alegrar, ele o também tem para fazer chorar, seja pelo jeito carente e imprevisível, ou pela mórbida e obscura maquiagem. Sim, ele é um legítimo ser humano! Vaga entre a poesia e a realidade, “(...), se mostrando feio e belo, revelando esse caráter próprio do ser humano, que é ser plural!”
A frase é do ator e diretor, Selton Melo em depoimento no making of do seu longa, O Palhaço, de 2011. Numa comovente história sobre a relação entre pai e filho, Melo representa este personagem com alma e grande sensibilidade. O desenhista mineiro e fera em stop motion, Conrado Almada foi o encarregado pela parte de animação, onde retratou todo elenco, inclusive os protagonistas Pangaré (Selton Melo) e Manga Larga (Paulo José).
O registro do artista e fotógrafo goiano, Vinícius de Castro (in memoriam), transita por entre as adversidades do carnaval contemporâneo.  Utilizando a fotografia como suporte artístico, a imagem revela entre confetes, serpentinas, piercings, um charuto na boca e uma garrafa na mão, não obstante um olhar de ira ou dor.  
O artista e grafiteiro goiano, WÉS também tem sua versão. Tanto em grafites, quanto nos desenhos em nanquim, este personagem está presente em grande parte de sua produção artística. Abusando de temas regionalistas e do folclore, seu trabalho traz a grotesca situação brasileira à tona: Preciso ser? Ser palhaço? Também revela seu gosto pelo personagem e desabafa:É o cara que pinta a cara conforme a situação”.
O palhaço não faz nada mais que parodiar a natureza do ser humano. Andar na corda bamba, ridicularizar ou rir do próximo ou de si mesmo, tentar tirar vantagem de tudo ou quase tudo, ou simplesmente pensar, agir e brincar como uma criança. Assim vaga a alma deste ser plural, contagiando a alegria e despertando um misterioso carisma e certo grau de rejeição! Salve, salve a imperfeição!