domingo, 27 de fevereiro de 2022

Domingo de Carnaval

 A professora de Filosofia Lúcia Helena Galvão, criadora do podcast Nova Acrópole, postou em suas redes sociais um antigo vídeo de sua aula falando sobre o significado do Carnaval. Canivàles, adeus à carne é "quando se retira o princípio espiritual". Quando o rei legítimo entrega as chaves do reino para um rei falso, um rei burlão, um rei momo. Numa total inversão de valores. Daí, após três dias, instalado um insuportável caos as pessoas decidem devolver as chaves para o rei legítimo. "No contraste se gera a consciência". "No caos você aprende a valorizar o Cosmos".

Vivendo um novo Carnaval pós-pandêmico e longínquo, pois já começa o mês de Março e os desfiles das Escolas de Samba só acontecerão em Abril chega à nós mais um caos esperado ou inesperado, a guerra russa. Se lembram que a Covid iniciou na China e pensávamos que não chegaria até aqui? Pois é, a Rússia fica bem mais pro Norte, no entanto rumores nos atendam para cautela e coerência. 

Momentos incertos e invertidos são cíclicos para entendermos a importância da rotina, do cotidiano, da repetição que leva à perfeição. O artista Tarcísio Veloso ilustra o texto com uma encomenda que interconecta nossos ofícios. Eu só não imaginei que os ornamentos indígenas, feitos de amarrações com penas, seriam tão propícios para a ocasião do Carnaval. 

São beija-flores adornados com suas fantasias, carregando símbolos e significados. A professora Helena Galvão também nos ensina a diferenciar a fantasia, do sonho. O primeiro é fruto de desejos utópicos e carnavalescos, o segundo é uma aspiração, um objetivo, um ideal.

Entre o caos e o cosmos, fantasiar e sonhar se misturam, se interconectam e se distinguem como unidades que se complementam. Manter estas duas unidades em equilíbrio tem que ter samba no pé, ginga e muito jogo de cintura!

Um bom Carnaval para vcs!


Os passáros de Tatiana, Tarcísio Veloso, 2022

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Última lição


“Não se nasce mulher, torna-se mulher” a máxima do pensamento filosófico feminista de Simone de Beauvoir poderia ser usada também para outros atributos, como “Não se nasce artista, torna-se artista” e/ou outras atividades afins.

Certa vez meu pai, sentado à bancada de café como era de costume quando iniciava seus monólogos dissertou sobre o conto do Samurai. A história descreve um discípulo ambicioso, cheio de energia e força que desejava veementemente ser o maior samurai de todos. Mas seus mestres diziam que ele teria de subir as montanhas, encontrar num mosteiro o maior e inigualável dos mestres e derrota-lo numa batalha, porém teria de tomar algumas de suas lições para que estivesse realmente apto a fazê-lo. O discípulo tomou o seu caminho e foi em busca de seu objetivo. Quando lá chegou, encontrou o grande samurai tranquilamente cuidando de seu jardim e suas flores. O discípulo pediu que lhe ensinasse sua última lição para que enfim, pudesse enfrenta-lo para conseguir o título de maior samurai. O mestre ergueu sua espada e com gesto simples lhe mostrou um golpe básico. Frustrado o discípulo resmungou que este era o primeiro dos golpes que aprendera e não havia sentido treiná-lo mais uma vez. Foi daí que o grande mestre, com o mesmo gesto jogou no ar uma de suas flores e num certeiro golpe dividiu seu talo simetricamente ao meio. Surpreendido por sua destreza e rapidez, admitiu a derrota, mas teve de lhe perguntar o segredo para tamanha habilidade. Foi quando o grande mestre lhe deu a última lição: “A repetição leva à perfeição”.

Esse contou sempre ficou na minha cabeça por tê-lo também escutado diversas vezes nos treinos da Capoeira, em versões mais tupiniquins ou em provérbios tântricos e ritos religiosos. Trago o tema aqui porque recentemente algumas pessoas me indagam sempre, “nossa, Tati, você só faz cubinho?” Pois é, cada um faz o que sabe e nos repetindo a cada dia, talvez chegaremos à alguma perfeição, embora eu ainda acho que as imperfeições tem lá os seus charmes.

Não sou alguém tão especial que tenha estudado na Itália e feito mil cursos para aprender a ter criatividade enfiando parafusos na orelha ou cadeados no pescoço, simplesmente nasci dentro de uma Galeria de Arte no Centro-Oeste. Minha avó materna morava na fazenda, tenho uma origem sertaneja atípica que escutava Chico Buarque, Roberto Carlos, ABBA, INXS, Talking Heads e Tião Carreiro. Minha avó paterna era nômade e se alojava nas cozinhas alheias para preparar as melhores polentas do mundo. Aprendi no meu universo quadrado, que não se nasce alguém, torna-se alguém e estou tentando ser o meu alguém neste mundo tão quadrado. Foi a forma que vi e me encontrei para achar uma quarta dimensão ou um hipercubo!

Agradeço a todos que guardam seus dois preciosos minutinhos para lerem essas minhas mal traçadas linhas, pois é aqui que me atenho em desabafar o que sinto, o que penso, o que sou! Repito todos os domingos este ritual, vai que um dia ele se aperfeiçoa, não é!


Brinco Cubos 3 em 1

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Natureza é arte

 Um ano antes da pandemia, outubro/2019, o Jornal Folha de São Paulo publicou no Caderno Ilustríssima o artigo "Inhotim inspira instituições culturais por todo país" (Daniel Rangel). A tomada de consciência para este modelo de instituição se daria antes mesmo dos infelizes lockdowns mundiais que estremeceriam as nossas zonas de conforto e limitariam as distâncias entre nós. 

Democrático, científico e vanguardista o Instituto Inhotim superou todas as expectativas sendo beneficiado por um clima de Mata Atlântica que fertiliza e floresce seus jardins embelezando o entorno da  arquitetura arrojada das Galerias de Arte. A necessidade de estarmos em contato com o belo, o natural, a origem da nossa essência, que vem do barro, da terra e da semente que brota é intuitiva, instintiva e inspiradora. A referência mor dos grandes artistas está na Natureza, no seu ciclo constante e inconstante, nas suas fases obscuras e iluminadas, nos altos e baixos das marés, das altitudes, das planícies e dos planaltos. Cada vez mais estamos em busca de lugares abertos, vivos e cheios de luz. Não por acaso espaços como o Instituto Francisco Brennand com seus jardins de esculturas em cerâmicas, em Recife/PE ou a Casa de Roberto Marinho, que abriga um fabuloso jardim com paisagismo de Roberto Burle Marx, no Cosme Velho, no Rio de Janeiro/RJ vem sendo pontos de visitação cada vez mais procurados. Recentemente, mamãe e eu visitamos o atelier do artista e designer Hugo França, em Trancoso/BA e lá ele comunga da ideia de associar Arte e Natureza, até porque sua matéria-prima é 100% extraída e esculpida como produto final.

Espaços ao ar livre que integram pesquisa botânica, arte e artesanato se fazem cada vez mais necessários, como prova a procura por lugares como a "Venda do Bento", em Pirenópolis, onde é prudente reservar sua visita antes de ir. Uma arquitetura rústica é totalmente integrada a paisagem bucólica e ao mesmo tempo agregando valor cultural ao seu  histórico sertanejo com peças, objetos, artesanatos e muitas, muitas memórias afetivas. 

Com tanto concreto e metaverso a nossa volta, o antigo ditado acaba ganhando outro contexto: "Na selva de pedra é rei que tem uma árvore". 

Invista nesta ideia, apoie estes lugares e incentive quem empreende na Arte e na Natureza!

Atelier Hugo França, mostra da artista Regina Silveira, Trancoso/BA, 2021.


Galho da mangueira instagramável no fundo de quintal da TatiDep (depósito da Tati)


Casa de passarinho em cerâmica esmaltada por Márcia Magda, no fundo de quintal da TatiDepot