domingo, 16 de abril de 2023

A beleza do sonhar


 “A beleza provoca ladrões mais que o ouro”

O dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616) foi representado, ainda bem jovem, como um escritor promissor na série gótica de HQ’s, Sandman (Neil Gaiman, Netflix, 2022), no episódio “O som das asas dela”. Para quem nunca ouviu falar deste personagem que ganhou o carisma entre os leitores mais cults de HQ’s, Sandman: homem da areia, ou o deus dos sonhos: Morfeu, ou na versão de nossos colonizadores portugueses: João Pestana é conhecido nos contos undergrounds como o filho do Tempo com a Noite. Ele é o terceiro filho de mais seis irmãos (Destino, Morte, Destruição, Desejo, Desespero e Delírio), onde vive uma relação disfuncional, principalmente com o andrógeno irmão, Desejo. Todos estes personagens são uma espécie de manifestação física de um conceito abstrato, um tipo de Liga da Justiça baseada em lendas, mitos e religiosidade.

O Sonho, homem da areia (assim denominado por causa das lasquinhas de remela que ficam nos olhos ao acordarmos) é nosso protagonista, responsável pelo Reino do Sonhar. Lá, ele governa e regula com sabedoria e certa austeridade os sonhos dos humanos e as fronteiras metafísicas mais seguras de nossa imaginação. Dentre tantos boicotes e desafios está um que ele mesmo criou, o Coríntio, um implacável pesadelo que possui dentes nos olhos, remetendo à máxima cultural do sonho americano: “ele consume tudo que vê”.

Não por acaso, nem por coincidência, o nome deste pesadelo ser bíblico, há no Reino do Sonhar outros habitantes descritos no Livro Sagrado, os irmãos Caim e Abel, que vivem em eterno conflito, reforçando a trágica história do primeiro assassinato da humanidade. Sandman é uma daquelas metáforas que ficam martelando nossos pensamentos mais do que os versículos, mitologias e afins. Na série estão contidas uma miscelânia visceral sobre ética, valores morais, amor, amizade, enfrentamentos e morte. Não é sobre a luta do bem contra o mal, afinal todos os sete irmãos coexistem como causa e efeito das escolhas dos humanos, é sobre ter algo digno pelo o que sonhar.

Shakespeare transformou significativamente uma geração com seus sonhos concretizados em peças,  tragédias e duras verdades. O sonho é a forma mais livre e bela para se criar, se inspirar e transformar. Mas qual o limiar entre o sonhar e o desejar? Esse conflito recorrente entre dois irmãos que se digladiam para manter um equilíbrio próspero e estabelecer escolhas entre verdades e mentiras, ordem e caos é o que faz o contraponto desta tênue linha do querer sempre mais, mas com um tanto de moderação. Essa constância da vida é a justificativa filosófica daquilo que não te desafia, não te transforma.

Que saibamos proteger a beleza do sonhar dos ignóbeis ladrões de plantão e saibamos também policiar as tempestuosidades de desejos vis!

Tenham bons sonhos, sonhem um punhado e desejem com moderação!

   
Sobreposição de imagens com Brinco Chuva