sábado, 25 de setembro de 2021

O coração é o sismógrafo da vida

Em 2018, a Livraria Cultura abriu suas portas no maior shopping da capital goiana. Uma de suas estratégias de marketing foi a primeira e única edição da Revista ]Cultura[ . Belíssima diagramação, assuntos inteligentes dissertado por colunistas renomados e um artigo específico que fica martelando a minha cuca até hoje a começar pelo título: "Os museus tem futuro?" O texto discorria sobre as incansáveis tentativas desses espaços permanecerem vivos e úteis à sociedade. O dilema era: privilegiar a arquitetura tornando o próprio prédio uma atração à parte ou investir num acervo que se pautasse em questões da contemporaneidade e em tecnologias?

"Diria que na segunda década do novo milênio os museus são sismógrafos da cultura. Para que servem mesmo os sismógrafos?" (Hugo Segawa)

Refletir sobre os nossos abalos culturais diz muito à respeito da política vigente e de como a relação entre a sociedade e os artistas está. Aquele velho ditado "quem gosta de passado é museu" é bem verdade e eu gosto muito de museu e também de algumas lembranças do passado.

Em 1995, minha mãe realizou a Mostra "Objetos" do artista cearense, Luiz Hermano (1954), onde algumas  destas obras foram apresentadas anteriormente no MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo, na mostra "Esculturas para vestir" (1994). Esse evento foi um marco para minha vida. Não porque eu gostasse de trabalhar com o mercado de arte, mas pela oportunidade de ver uma produção cultural de alto nível tão perto de mim. Essa experiência fez meu coração bater forte e tive uma sensação inspiradora. Foi um evento inesquecível, naquele momento associei imediatamente suas obras à minha infância, na brincadeira de tecer bijuterias para minhas bonecas, trançar os fios dos cabelos entre nós, laços e fitas, minimizar os rococós e espirais pelas formas geométricas e modernas.  Retorno às reminiscências desta situação, porque percebo uma retomada, mesmo que modesta, destes artistas admiráveis, artistas que são celebridades de verdade. O sismógrafo vem marcando uma nova onda, um novo começo de era, de gente fina que está descobrindo que atrás da manada não se pode mamar, nem enxergar nada pela frente.

Melhor mesmo é seguir os embalos ao em vez dos abalos.

Melhor mesmo é sair ao vento com um caderno de anotações na mão ao em vez da máquina fotográfica ou aquele iPhone pré-lançamento, porque os bons momentos do passado só ficam eternizados mesmo em nossa memória. Afinal, nosso coração é o sismógrafo da vida. Ou ele bate pela emoção real, ou ele se engana vivendo em ilusão!

E que prossiga batendo firme para podermos viver em conexão com o nosso passado, presente e futuro. Sigamos um ao lado do outro, nem atrás, nem a frente, juntos!

Ilustra o texto, eu com obra "Colméia", de Luiz Hermano, em fitas de cobre amarradas umas nas outras.



domingo, 19 de setembro de 2021

Suzana

Minha vó materna se chama Suzana.

Ela é do signo de escorpião.

É mãe de 5 filhas(o): Marúcia, Marina, Márcia, Débora e Custódio Júnior.

Dona Suzana foi dona de casa por toda vida.

Gostava de uma jogatina e embaralhava cartas como ninguém.

Era sagrado tomar seu café da tarde fervente e bastante adoçado.

Pintava e bordava para adornarmos nossas bonecas com belos vestidinhos.

Foi daí que eu vi, pela primeira vez, uma caixa de costura.

Linhas, novelos, carretéis, botões, retalhos... Muitos retalhos que ela usava para confeccionar as roupinhas dos personagens que estampavam suas pinturas naifs. Eram saias, ceroulas, calças, botas, balões, pipas, fogueiras e até lona de circo. Bordava almofadas, panos de prato, forros de mesa e calendários em patchwork. Lindos!

Dona Suzana foi uma senhora vó, sem esquecer de contar seus gatos, que sempre foram companhia mais afetuosa que os cachorros, principalmente Rosinha, a matriarca de toda uma geração de felinos.

Entre a sujeira orgânica da fazenda, seus afazeres domésticos, seu fumo de rolo, sua vida simples e suada, vovó compartilhou momentos à beira do fogão à lenha, no doce café com leite que tomávamos no curral, na mesa de carteado, no altar para todos os santos, no cavalete manchado de tinta e na sua imortal máquina de costura. 

Sua vida colorida foi cheia de laços de fitas para suas filhas, para suas obras, para suas netas. 

Desde a feitura da pamonha em luminosos tachos de cobre ao barro do casebre de pau à pique, os novelos dourados em abundância e a escassez de preciosos fios de ouro, da forma bruta à fornada de roscas assadas na hora, vamos aprendendo com os nossos antepassados à preservar costumes e valorizar nossas origens. É a síntese do provébio da rapadura: doce e dura realidade da vida! O rústico e o contemporâneo! De mães para filhas, de avós para netas, de mulheres para meninas, num sagrado ciclo feminino.

Ilustra o texto Calendário bordado por Suzana de Abreu e Pingente Hipercubo, em latão banhado e fios coloridos de lã.



Dona Suzana e eu na mostra "Nosotros - a arte e o corpo humano" (2017)


domingo, 12 de setembro de 2021

Escolhas do Ego

O documentário "O Século do Ego" (2002), disponível no Youtube, trata de uma longa aula de história e psicanálise associada ao poder de marketing sobre escolhas do inconsciente e suas consequências. Assustadoramente somos movidos pelos nossos mais profundos instintos e o médico neurologista Sigmund Freud (1856-1939) foi o pioneiro em decifrar o porquê desta vulnerabilidade psíquica e como poderíamos conduzí-la da melhor forma. Fácil não é, mas hei de permitirmos nos esta singela experiência sobre o assunto. 

É impressionante como o marketing do sistema capitalista funcionou ao longo dos tempos e como ele ainda nos induz a querer consumir coisas as quais não necessitamos. Mais impressionante é como a propaganda pode ser eficiente para derrubar governos ou levantá-los. Uma prova desta eficácia é que depois do Nazismo de Hittler o termo "propaganda" foi terminantemente proibido de ser utilizado. Edward Bernays (1891-1995) sobrinho de Freud, que morava nos EUA, utilizou outra terminologia para ocultar as verdadeiras intenções das estratégias da propaganda e por causa disso ficou conhecido como o "Pai das Relações Públicas". Querendo ou não somos impulsionados (o que Freud denominou de pulsões) pelo desejo, pela incansável vontade de ter prazer e sermos felizes. Errado isso não é, mas cada um paga seu preço. 

"É quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com a civilização". 

E ainda:

"Todos os seres humanos ocultam a verdade nos assuntos sexuais".

(O Mal-estar na Civilização - 1930)

As pesquisas de Freud incomodaram muita gente e foram polêmicas para uma Europa conservadora, com isso ele acabou passando por dificuldades financeiras, mas teve a ajuda de seu sobrinho, que pretendia divulgar o trabalho científico do tio por toda América.

Carl Gustav Jung (1875-1961) contribuiu com a Psicanálise contrapondo as ideias de Freud acrescentando certo esoterismo em seus métodos. Frase de Jung: 

"O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera".

Estudos apontam que quanto mais nos autoconhecemos mais somos capazes de dominar nossas paixões e fazermos escolhas conscientes, tanto para o ato de consumir o que realmente precisamos, quanto para conviver com pessoas que realmente amamos. 

O controverso BDSM (bondage, dominação, disciplina, submissão, sadismo e masoquismo) está aí para provar que conseguimos domar nossos instintos, mesmo que tenhamos que bater ou/e apanhar para aprender. Afinal, ninguém aprende só com o carinho do colo da mamãe. Em alguns momentos da vida, o aprendizado eficiente se dá através de umas boas chicotadas, ou não!?

Ilustra o texto Pingente Cubos com Franjas.




 

domingo, 5 de setembro de 2021

A mágica da vida

O arquiteto hungaro Ernö Rubik patenteou sua invenção, Cubo de Rubik ou Cubo Mágico, em 1974. Movido pela incansável ideia de construir uma estrutura cujo centro permaneceria imóvel e todo seu entorno se deslocaria trocando de lado, espaço e altura, ele mesmo levou um mês para decifrá-lo. O brinquedo se tornou popular e conhecido mundialmente angariando uma multidão de adeptos em decifrá-lo o mais rápido e com menos movimentos possíveis. 

Essa interessante ideia de Rubik me impulsionou por associá-la, metaforicamente, com nosso código genético. Somos "programados" por modelos hereditários, que é a origem de todas características físicas e/ou quase todas emocionais e entendendo que nosso entrono, isto é o meio à nossa volta, pode ser modificado somos capazes de transformar o que está externo: nosso ambiente de trabalho, trocar os móveis da casa, ou trocar de carro, ou começar um novo namoro, ou mudar a cor do cabelo ou aumentar até a espessura dos lábios sem alterar o principal, nossa essência, nossa parte central, o núcleo, a raiz... Já cantava o pernambucano Chico Science:

"porque eu desorganizando posso me organizar/ porque me organizando posso desorganizar"

Pode parecer uma metáfora um tanto louca, mas o cubo de Rubik é um quebra-cabeça  com trilhões de combinações. A vida é mesmo um quebra e conserta cabeças! Minha mãe sempre dizia: "onde o ferro vai, a ferrugem vai atrás". Ou ainda o dito vulgar popular: "a pessoa sai da favela, mas a favela não sai dela". Na literatura temos a máxima no best-seller norte-americano, "O Grande Gatsby" (1925). Ninguém muda radicalmente a essência, o DNA é o que nos define assim como a parte fixa do cubo do arquiteto. Modificamos as coisas ao redor, que consequentemente alteram o meio, mas não podemos fugir de quem somos. A mágica é fazer e se desfazer, montar e desmontar, organizar e desorganizar, porque tudo é movimento, tudo se move para voltar pro mesmo lugar, tudo muda para continuar como está, ou não!? Do pó ao pó! Essa é a mágica! Bora viver a magia e o movimento da vida, porque ninguém vai sair vivo daqui.

Ilustra o texto, Ernö Rubik e seu cubo mágico (imagem extraída do site www.designboom.com). 

Pingente Cubo Mágico como opção de objeto para decoração.