domingo, 25 de julho de 2021

Dimensões

 O ditado popular: "A propaganda é alma do negócio" está no inconsciente coletivo desde tempos longínquos da Humanidade. Conta a história que após um grande incêndio que destruiu a Igreja de San Marcello all Corso, em 1519, o Crucifixo Milagroso de Roma foi a única peça que permaneceu intacta e daí por diante a cruz passou a ser a marca oficial do Cristianismo. Um símbolo universal que representa a relação entre a vida e a morte, o mundo espiritual do mundo terreno, a condenação e a redenção.

Matemáticos, físicos e cientistas, em verdade, sempre utilizaram este símbolo para aprofundar suas pesquisas e descobertas. René Descartes instituiu, em 1637 o plano cartesiano que é um sistema de coordenadas formado por duas retas perpendiculares, ou seja, uma cruz. Antes disso Fillipo Brunelleschi (1377-1446) criou a perspectiva do ponto de fuga que surgiu para oferecer a ilusão de profundidade em objetos bidimensionais. O renascentista, Leonardo Da Vinci fez uso de temas bíblicos para praticar a perspectiva, o ponto de fuga, o plano cartesiano e tantas outras técnicas científicas associadas à sua sensibilidade que embelezaram e ilustraram a perfeita harmonia entre Arte, Ciência e Religião.

O artista espanhol, Salvador Dalí foi além... Experimentou a descoberta do matemático Charles Howard Hinton (1853-1907) na obra Christus Hypercubus (1954). Conhecido como Cubo de Hinton, um tesserato ou hipercubo de quatro dimensões é um polícoro regular, um polícono dual hexadecácoro e é análogo ao cubo. Em tradução visual, é esta cruz aí que Salvador Dalí pintou. Para o matemático, a quarta dimensão é mais um espaço, embora imaginário, mas possível, assim como a existência de um plano espiritual. O artista espanhol compreendeu esta leitura científica e expressou tão bem em sua obra que podemos ter uma noção visual da possibilidade de dois mundos paralelos. Não só por causa da narrativa cristã, mas por toda dualidade plástica que ela representa:

"O quadro de Dalí é carregado de significados. Principalmente os possíveis significados das intrigantes sugestões de um extenso jogo de DUALIDADES: o muito claro do primeiro plano (aquilo que se oferece de perto à visão) e o muito escuro do fundo (o mistério que está além da visão); a nudez do Cristo (o mundo da espiritualidade e da inocência) e as vestes excessivas de sua mãe (o mundo do pecado e da vergonha); sua mãe pesadamente plantada no chão (a materialidade) e o Cristo flutuando no espaço (a espiritualidade); a mãe que olha para o Cristo (para o que está perto e claro) e o Cristo que olha para o escuro vazio (para o mistério que está além de nossa visão); a área do céu (onde se encontra o Cristo) bem maior do que a área do chão (onde se encontra sua mãe); a mão flácida de sua mãe (sem expressar sofrimento) e as mãos contorcidas do Cristo (expressando sofrimento); a posição calma e amena de sua mãe e a posição rija do Cristo; o elemento religioso (o Cristo) e o elemento científico (o hipercubo); a cruz plana (um elemento bidimensional) onde Cristo foi crucificado e a cruz de cubos (um elemento tridimensional) onde Cristo se “dobrará” em espírito; o grande (o espiritual) e o pequeno (o mundano), pois o tamanho do corpo do Cristo é duas vezes maior do que o de sua mãe" (Malaquias Malazartes)

Se elucidar à respeito de tantas dualidades e dimensões entre nós é o segredo para se desdobrar deste mundo plano e quadrado que, de tempos em tempos, insiste em voltar a ficar chato e achatado. 

Que venham mais dimensões e perspectivas para um futuro abundante! Ilustra o texto estudo para Pingente Cubos em cruz.





domingo, 18 de julho de 2021

Vermelho é a cor mais forte

 A mostra "Linhas da Vida" da artista japonesa radicada em Berlim, Chiharu Shiota percorreu os CCBB's das principais capitais do país e finalizou sua itinerância em Brasilia no mês de dezembro do ano passado. Por causa da pandemia e por minha sorte, a mostra foi prorrogada e consegui visitá-la em sua última semana, tal qual o ditado: "no último minuto do segundo tempo" e que golaço! A exposição reuniu 70 obras da artista, sendo que em sua maioria sites specifics, obras que são realizadas nos espaços das galerias como suas instalações de linhas intermináveis que alinhavam chaves, barcos, papeis, vestidos e tudo mais que remete às memórias afetivas e aos vínculos sociais.

"A artista evoca uma lenda japonesa que quando uma criança nasce, um fio vermelho é amarrado em seu dedo, representando a extensão de suas veias sanguíneas que correm do coração até o menor dedo de suas mãos. Ao longo da vida esse fio invisível se entrelaça ao fio de outra pessoa, conectando uma à outra, de alguma forma que impactará profundamente seus caminhos. A instalação, Linha Interna (2019) (foto I) também alude a concepção de uma presença física, de um corpo que acumula memórias, representado por meio de vestidos vermelhos que simbolizam a segunda pele, independente de nacionalidade ou cor, que nos acompanha em nossa vida torna-se o acumulo das memórias coletadas diariamente". (Curadora Tereza Arruda)

"A cor do fogo e do sangue, o vermelho é a mais importante das cores para muitos povos, por ser a mais intimamente ligada ao princípio da vida. As contraditórias características físicas do vermelho deram origem a bivalência de imagens inspiradas por elas, surgindo entre os alquimistas a ideia simbólica de dois vermelhos, um noturno, fêmea possuindo um poder de atração centrípeta e outro diurno, macho, centrífuga". (Israel Pedrosa)

O princípio da vida e o fim dela, a morte são temas constantes na obra de Shiota. A relação temática se inicia com as instalações em linhas vermelhas e termina com as linhas pretas, que alinhavam barcos suspensos no ar, "Dois barcos, uma direção" (2020) (foto II), onde a direção sempre nos parece ser a da zona de conforto, mas nem sempre devemos navegar por ela. A ideia é mudar de perspectiva, assim como para a visualizar os barcos, é preciso mudar de lugar para enxergá-los por inteiro.

A mostra "Linhas da Vida" foi um poema visual inspirador. O cordão umbilical é o símbolo mais forte e visceral do início da vida e a vida começa com sangue, com fios afetivos sendo conectados desde o primeiro toque, o primeiro abraço de mãe. A verdade é que a vida sempre está por um fio e outros vários entrelaçados à outras vidas e isso é literalmente poético! 

Ilustra o texto Brinco Vermelho é a cor mais forte, em linhas de algodão e cubos de latão. (foto III)





domingo, 11 de julho de 2021

Eternamente minimalista

 O conceito minimalista surgiu após extremos exageros de expressões artísticas da década de 50 como o Pop Art, o Conceitualismo, Fluxus, Arte Povera, Arte Performática e tudo mais que tivesse saido da zona de conforto dos suportes tradicionais. O mínimo é o máximo, foi um apelo à simplicidade das formas, da racionalidade na execução e a praticidade da natureza dos materiais industriais. Os norte-americanos, Donald Judd (1928-1994), Sol Lewitt (1928-2007), Robert Smithson (1938-1973) e Frank Stella (1936) são os maiores expoentes do Minimalismo, cuja atitude mais peculiar foi parar de darem títulos às suas obras:

"O objetivo era compelir o espectador a lidar com o objeto físico que tinha diante de si sem ser desviado pela personalidade do criador (...) pois os títulos poderiam distrair sua atenção". (Will Gombertz)

Até hoje alguns artistas contemporâneos passam despercebidos do porquê de não darem título às suas obras. O estilo foi aderido em muitas áreas distintas como na arquitetura, no design, na moda, mas principalmente como uma filosofia de vida. O slogan "menos é mais" se encaixa perfeitamente no modus vivendi de quem não quer ostentar, consumindo e usufruindo apenas do essencial. O minimalismo é algo muito complexo de ser alcançado! Influenciado pelo estilo construtivista, o qual buscava a linguagem universal para expressão artística, prezava também pela interação, passiva ou ativa, do espectador com a obra.

Em 1996, tive a oportunidade de visitar a 23ª Bienal Internacional de São Paulo, que teve como tema a "Desmaterialização da Arte". Uma formidável curadoria, cuja ideia pairava sobre o quanto nossa existência é perecível, mas eterna quando se cria uma boa ideia. O artista Sol Lewitt executou seis gigantescas pinturas nas paredes do último pavilhão com formas geométricas de estrelas coloridas, que foram apagadas ao findar do evento. O plano de pintura está arquivado e milimetricamente calculado, respeitando o tom, a disposição de todas as cores e formas. A ideia do artista continua viva e pode ser executada em qualquer lugar, novamente.

Lewitt denominou de "team" seus assitentes, pois para cada suntuosa produção ele contava com uma equipe e tinha a generosidade de deixar livre o plano de execução, caso alguma tonalidade da cor ou medida geométrica não seguisse à risca o projeto. Ele acreditava que seus assistentes também eram criadores e que esta interferência era importante, mesmo que mínima, no final da obra, porque a interatividade era um dos resultados para a sua total contemplação. O artista se sucumbiu ao modo minimalista de ser e suas ideias permaneceram eternas entre nós.  

Ilustra o texto obra de Sol Lewitt, da série cubos brancos, exposta do Metropolitan Museum, Nova Iorque e minha paródia visual com "Cubos Mágicos", em latão.





domingo, 4 de julho de 2021

Segue o Seco

 O Ministro de Minas e Energia se pronunciou à respeito do uso consciente da água e da luz. Declarou que o Centro-Oeste enfrentará a pior seca dos últimos 91 anos e que sejamos cautelosos no uso pessoal destes que são recursos essenciais para nossa humilde sobrevivência. O Centro-Oeste está bem distante do mar, por isso podemos desistir da tecnologia de dessalinização da àgua, porque mesmo que poluente, esta poderia ser uma alternativa em momentos críticos. Em Israel inventaram uma maneira para transformar ar em água. Um "ar condicionado" gigante consegue transformar diariamente o ar em 70 mil litros d'água. Incrível! Mas estamos ainda mais distantes de Israel, né!

Pensando na escassez da água, a primeira ideia que vem à cabeça é de que chova o mais rápido possível, mas não é bem assim por aqui. No inverno, devido ao longo período de estiagem, este fenômeno quando acontece acaba se tornando quase um ritual primitivo entre nós. Apelamos para a supertição, entoamos cantos e danças, até fazemos promessas. Por isso não surpreende que a chuva seja grande fonte de inspiração para artistas, poetas, arquitetos, designers e até simples civis. A ideia de gotas d'água caindo do céu parece um milagre da Natureza, mas é pura Ciência.

O arquiteto goiano Leo Romano experimentou desta Ciência no design para criar e produzir uma coleção de imobiliário com o tema, "Chuva", em 2015. São mesas, espelhos, bancos e aparadores que remetem a gotas esculpidas em madeira num jogo lúdico de movimento e leveza. Os pés da mobília se equilibram perfeitamente mesmo sendo uns maiores e outros menores.

O artista plástico paulista Artur Lescher trabalha também neste conceito e suas obras se aproximam das problemáticas do design e da arquitetura como a série "Pendulos" e "Afluentes". Lescher faz uso da madeira, metais e materias inusitados para criar esculturas que desenham o espaço e chamam a atenção para o paradoxo da vida estabelecendo a constância do equilíbrio entre opostos. O estático e o movimento, a leveza e a dureza, o grande e o pequeno. O artista foi um dos 100 convidados para ocupar o Hospital Matarazzo, em 2014. Seu ambiente foi a lavanderia, onde projetou uma constante "chuva" para lavar literalmente o espaço. O cantor e compositor Carlinhos Brown estreou sua canção "Segue o Seco", em vídeo de inauguração filmado no cenário da instalação do artista. Segue o link sobre a obra de Lescher e a performance de Brown: Lescher & Brown

Os artistas evidenciam a nossa necessidade de se inspirar na Natureza e de fazer uso da Ciência para produzir algo que transceda toda plenitide de nossa existência. Ambos se identificaram com a complexidade das fórmulas matemáticas para produzirem suas formas orgânicas. Equilíbrio e cálculo são o resultado de obras que beiram a engenharia e expressam plasticamente este fenômeno transitando pelo caminho da Ciência desafiando as leis da física e mecânica.

E enquanto isso, nós, daqui do centrão ou do sertão, nos resta desafiar a seca até as chuvas voltarem e continuar contemplando as belas artes!

Ilustra o texto Brinco Gotas.