domingo, 28 de abril de 2024

Bugs

 O mês de abril foi marcado por "cataclismas" culturais e ambientais de tirar o fôlego. O SPFW 2024 e sua avassaladora passarela abraçou a moda ancestral numa pegada cheia de feminilidade, delicadeza e artesanato com as peças do estilista manauara Maurício Duarte e da cearense Catarina Mina. O desfile étnico regado com muito crochê e ousados acessórios assinados pelo designer mineiro, Carlos Pena foi literalmente um tesouro em meio a tantos brilhos que reluziram, mas não eram ouro.

Paralelo e posteriormente Abril abriu o maior e mais antigo evento internacional de arte, a Bienal de Veneza, com curadoria de Adriano Pedrosa, primeiro brasileiro a orquestrar a sinfonia de obras de arte contemporânea na turística cidade italiana. Este "cataclisma tupiniquim" arrebatou a arquitetura do Mundo Antigo com a pintura geométrica e colorida na fachada do pavilhão central, do coletivo indígena Mahku, inspirada em rituais sagrados baseados na ayahuasca. "Foreigners Everyewhere", Estrangeiros em todo lugar é o tema da Bienal, que vem de encontro à este lugar ao qual não pertencemos, ou nos distanciamos pelas diferenças culturais, econômicas, religiosas, políticas e sociais.

Abril nos surpreende ainda mais com um acontecimento nem tão cultural assim, mas digno de uma ação perfomática do meio ambiente, que roubou a cena nestas últimas semanas. A volumosa tempestade que desabou sobre Dubai foi um espetáculo à parte, uma virada de jogo e controle da Natureza, que dinheiro nenhum pode pagar. O nome da possível causa do ocorrido é bem artístico: "semeadura de nuvens", ou chuva artificial. Especula-se (talvez para eximir a culpa dos responsáveis) que a causa realmente mais palusível, seja o aquecimento global. Mas o que ou quem estaria causando isso? O El Niño, o El Muskito, o El Salvador, o Deus Nosso Senhor?

A nova série da Netflix "O problema dos 3 corpos", baseada na trilogia chamada "Lembrança do passado da Terra", do autor chinês, Liu Cixin traz uma vertente interessante sobre o assunto (contém spoiler). Na busca incessante para descobrir vida extra terrena, uma cientista consegue enviar um sinal para o "além", dando início a uma conflitante relação entre ciência e psique inter espacial.

"Os humanos existem há mais de 100 mil anos. Grande parte deste tempo não eram tão diferentes dos primatas. Quanto tempo demorou para descobrirem a agricultura? Precisaram de 70 mil anos para passar de caçadores-coletores para produtores. Depois disso quanto tempo durou para chegarem ao industrialismo? 10 mil anos? E a energia atômica, quanto tempo? 200 anos? Como e onde os humanos estarão daqui a 50 anos? Nós ensinaremos vocês a sentirem medo novamente, porque YOU ARE BUGS. Vocês são insetos"

Assim é o recado do "além" para os terráqueos apressadinhos em viver acreditando no consumo e na exploração da Terra como meio de felicidade. Terráqueos ocupados demais para entender que vivemos no planeta mais estável e harmonioso da galáxia e que sofreremos consequências terríveis se não repensarmos imediatamente o nosso lugar no mundo. Se não entendermos que todos estamos no mesmo barco e se a canoa virar, todos afogaremos. 

Dubai que o diga...

We are little bugs in the world 

"Escorpião*", acrílica, látex e canetão sobre tela por Larovski para a mostra "Terra Plena"

*Escorpiões existem há mais de 450 milhões de anos e se alimentam principalmente de insetos.

Hipnótico Intenso Mistério


Questionador Intuitivo


domingo, 21 de abril de 2024

Na Terra

 O grande mal contemporâneo, talvez, esteja muito mais dentro de casa do que fora. Crianças mal educadas são reflexos de pais mal criados, mal acostumados ou ausentes. Campanhas em evidência como a de anti bullying são reações à falta de compostura de uma sociedade que recorreu ao prazer como entretenimento no cotidiano doméstico e se esqueceu dos princípios e atitudes estoicas.

Nos anos 80, as cenas mais comuns em filmes hollywoodianos eram a de crianças menores, sendo reprimidas por crianças maiores, mais fortes e mais brutas. Karatê Kid é um exemplo clássico. Nem por isso o protagonista latino americano, Daniel Sam, se intimidou. A história real de Sylvester Stalone foi assim. Quem não sabe que o roteiro de Rock Balboa foi criticado e rejeitado zilhões de vezes até se tornar campeão de bilheterias?! A  uber model brasileira, Gisele também passou por maus bocados em entrevistas seletivas, quando era criticada pela desproporção de seu nariz e orelhas.

Não estou dizendo que sou contra as campanhas de anti bullying, mas há algo de muito frágil numa sociedade que não está pronta para ouvir críticas sinceras e verdades sensatas. Sou contra a violência e agressividade verbal e física, me perdoem os ditos celebridades, os tais comediantes de humor sarcástico, acontece que as piadas ultimamente andam bem apelativas e de mal gosto. 

Mas, por outro lado, tentar opinar e expor o que pensamos ficou muito delicado. Será que não podemos mais dizer o termo buraco negro? Ou que não somos a favor da linguagem neutra? Ora, uma sociedade que caminha sobre ovos, uma hora vai ter de fazer uma omelete. Não é à toa que o nome Geração Nutella, pegou.

Quanto mais se aperta de um lado para apaziguar, limitar e educar, mais se afrouxa do outro que quer relaxar, gozar e exigir direitos sem exercer deveres. Liberdade é disciplina. Quem tem educação, quem segue as regras da etiqueta, quem entende até onde vai o seu espaço não tenta invadir o do outro. Isso são condutas domésticas, aprendemos em casa com os pais, avós, babás, governantas e afins.

Campanhas anti bullying estão mais para conscientizar os tutores que os menores. Chegamos ao patamar onde até os autistas perderam o senso do limite, porque os pais querem justificar no transtorno da criança a educação que lhe faltou dentro de casa.

A educação de uma maneira geral começa em casa, mas se desdobra na escola, na Faculdade, no trabalho, na academia, no boteco. 

Papai tinha uma solução muito prática para gente abusiva, depressiva e opressora: "nada que uma boa enxada não resolva". Cavucar a terra deveria ser matéria obrigatória. A terra é terapêutica, ela é viva, tem cheiro, tem textura, tem cor. Ela é generosa, porque se você à toca com carinho e planta, ela faz crescer, ela te recompensa. Observar a terra e saber trabalhá-la é um exercício educativo, terapêutico e disciplinar. Não por acaso a ascensão de escolas de cerâmica, oficinas, grupos e associações que expandem e crescem, angariam cada vez mais novos adeptos para seu universo lúdico e sensitivo.

Quem sabe, futuramente, possamos denominar as próximas gerações, ao invés de "Nutella", de Geração na Terra!

"Terra Plena", óleo sobre tela, obra da jovem artista Okun.




domingo, 14 de abril de 2024

Encontro com a Morte

 Não é de hoje que a genialidade está vinculada à loucura  ou falta de carácter. Grandes nomes da humanidade: filósofos, escritores, cientistas, atletas, cineastas, atores, dançarinos, comerciantes e tantos 'mestres' das Artes tiveram seus nomes registrados em páginas policiais além de seus respectivos boletins de ocorrência inclusive por seus distúrbios mentais ou sexuais com direito à estadias em clínicas psiquiátricas. Ninguém consegue se equilibrar emocionalmente, durante toda uma vida, tendo surtos de criatividade e, ao mesmo tempo, sendo uma pessoa coerente. 

Eu até que tentei ser uma rebelde sem causa, mas descobri minha mediocridade e aceitei ser uma pessoa mediana, nem acima, nem abaixo da média. É um tanto tedioso, mas é calmo, me dá uma sensação boa de paz de espírito em meio ao caos do mundo. 

O mundo, esse, sim, esse é um tanto genioso. Ora é caos, ora é ordem, governando um sistema de fases lunares, eclipses, tormentas, tsunamis, efeito estufa, aquecimento global...

Mas até quando, nós, serezumanos, somos responsáveis por esta desordem? 

A mídia é um termômetro desta doença humana. Ela dá holofotes ao 'vírus' da discórdia que contamina a mente mais rápido, porque assim ela gera mais conteúdo nocivo, o prolifera e elimina o senso crítico, a tão almejada saúde mental. O jogo midiático começa pela audiência. Quem está "flopando"? Com quem eu preciso conflitar para que a notícia "bombe" e sobressaia à personalidade em voga?

Ora, quem não sabe que as moscas são atraídas pela luz?

Mas digo e repito, os ditos gênios (as personalidades) também carregam consigo uma carga oposta, assim como há luz, há sombra, pois "tudo que está para cima é como o que está para baixo", como afirma a máxima hermética, ou até a própria matemática para a lógica da hipérbole: inversamente proporcional.

Se você é humano, erra. 

E tá tudo bem, ou não!

Viver com saúde mental e física, ainda que para uma pessoa mediana como eu, é a maior das bênçãos que alguém pode ter. Por isso, danem-se os erros, os conflitos, as desavenças, as discórdias, os anonimatos, as celebridades, mas não à saúde. Ela é o bem mais precioso que ganhamos da vida. 

Não foi um gênio que inventou a roda ou conseguiu dominar o fogo. Foi um primata comum, ou vários ao mesmo tempo.   É ao acaso e com simplicidade que ideias práticas e saudaveis acontecem. Não precisamos eleger heróis ou vilões, ou quem fez por nós ou o que fez, mas o que nós fazemos por nós mesmos! 

Como disse o tio do pai de meus filhos, quando já com seus 80 anos, sua filha o levou a uma consulta médica e o doutor lhe perguntou o que o paciente sentia. O tio que era um estudioso da Filosofia, ironicamente respondeu: "Não sinto nada de mais, doutor. É que minha filha quer que eu morra com saúde".

É isso! 

Eu também quero morrer com saúde.

(...)

"Eu invoco o poder do futuro transformando as forças decadentes da percepção

O desapego me rege e orquestra

A morte dos meus antigos eus é tão bem-vinda quanto a morte dos padrões que me prendem a narrativas alheias

Eu evoco minha própria história

Renascer em sintonia com minha configuração celestial"

Prece Xamânica por Lari Mendes para catálogo "Terra Plena"


"Encontro com a Morte", bastão oleoso sobre folha de bananeira por Sophia Pinheiro para mostra "Terra Plena"




domingo, 7 de abril de 2024

Fecundar

 As recentes declarações de uma das mais influentes personalidades britânicas J.K.Rowling vem causando o que falar. A escritora de Harry Potter reagiu nas redes sociais à nova lei escocesa contra crime de Ódio e Ordem Pública de 2021, mas que entrou em vigor este ano. A mesma que declarou que mulheres são as que menstruam, voltou a tuitar verdades abruptas anunciando uma virada de mesa ao país vizinho. Seja por rivalidade histórica, seja por princípios pessoais, de fato as falas da escritora são dignas de reflexão. 

"As mulheres não necessitam de outras mulheres para servirem de espelho lisonjeiro, escudos humanos ou mães substitutas, mas um certo tipo de homem espera tais serviços como um direito. Demandas petulantes por mimos e conformidade das mulheres não provam que você é melhor, mas revelam uma enorme arrogância masculina".

Não é de hoje que Rowling é considerada transfóbica, nem por isso suas declarações foram consideradas crime ou violência. Ela dá sua opinião nas redes sociais com indulgência, organiza suas ideias ao fator biológico e descreve as verdades subliminares sobre um fenômeno que oculta segundas intenções.

A questão fica mais polêmica principalmente quando chega ao Brasil: o país do Carnaval, do futebol, do amigo rico que paga fiança ao réu estuprador, da orgia literalmente legalizada.

Verdade seja dita, num estado de espírito nacional regido por Exu é normal que tantos evangélicos castrados se manifestem contra as religiões alheias.

A prioridade da educação - que já é tão delicada - foca a discussão sobre a linguagem neutra. Haja catuaba para tanta sandice. Isso nem deveria ser discutido, nem que sim, nem que não. Quando o futuro está obscuro, o melhor a se fazer é resgatar o passado:

"Na Antiguidade, seios grandes e ancas largas indicavam a capacidade de gerar bons filhos. Uma imagem bem comum é a Vênus de Willendorf. A deusa Ártemis de Eféso com tâmaras, fruta símbolo da fertilidade - que vieram posteriormente - foi tomada por seios múltiplos, amplificando o poder da amamentação e do mito".

Encarar a verdade biológica contada através da mitologia, de lendas e de fábulas é reconfortante para a alma e para o corpo. Uma deusa provida de vários seios é uma forma de manifestar a realidade da fertilidade, da maternidade, da feminilidade. Essa é a verdadeira mulher, a que amamenta, a ama de leite, a que sente as dores das cólicas, as dores do parto, as dores físicas das transformações hormonais do corpo.

Voltemos às nossas raízes, à nossa ancestralidade. De repente o passado começa a fazer mais sentido que o futuro e o resgate das verdadeiras prioridades se torna ainda mais urgente.

"De dentro da caverna subterrânea

Luz nas trevas

Do calmo útero mágico

Força fecundadora de vida

É a exaltação da esfera matriarcal" 

(Trecho por Lari Mendes para o signo de Touro em catálogo  "Terra Plena")

Que nem o medo e nem as trevas nos afastem do nosso real propósito da vida, que é, única e exclusivamente, fecundá-la! 

Fencundá-la com  ideiais humanistas, coletivas e coerentes.

Fecundar, do latim fecundare. Sinônimo, fertilizar. [Figurado] que produz em abundância; inventivo, criador,  escritor fecundo, imaginação fecunda.


Fonte no Templo de Éfeso

"Touro", obra de Lupe Vasconcelos para mostra "Terra Plena"