domingo, 30 de janeiro de 2022

Você é o que você veste!

 Ingressei na Faculdade de Design de Moda, na UFG, em 1998 ano que minha mãe realizou a Mostra Coletiva com quatro jovens artistas promissores que partilhavam entre si uma amizade serena que até hoje prospera. Diferentes no suporte, mas equivalentes na simpatia todos conseguiram produzir obras surpreendentes e vanguardistas. Leo Romano, Maria Célia Siqueira, Ieda Jardim e Dauglacy Calixto expuseram sentimentos e obras cuidadosamente trabalhadas com muita pesquisa e dedicação. No maravilhoso catálogo confeccionado para mostra constavam desenhos em nanquim, fotografias, cerâmicas em raku com bordados, pesquisa para gravura em fibra de papel com queimaduras de ferro de passar roupas que foram, respectivamente, as técnicas destes quatro artistas presentes, num momento crucial da minha vida acadêmica.

Por Leo Romano adquiri uma grande admiração e inspiração! Maria Célia Siqueira ampliou meu senso crítico à respeito da estética da fotografia e gradativamente aperfeiçoou meu olhar sobre esta técnica. À querida menina luz, Ieda Jardim devo sincera gratidão por ter me guiado pelas ruas de Belo Horizonte e me indicado o primeiro curso de joalheria que conclui em Nova Lima, Minas Gerais. Agora, à Dauglacy Calixto, em especial, alimento constante amizade e carinho por ser um exemplo de conquista, persistência e resiliência em tudo que se dedicou fazer. Hoje DAO, apelido e nome que leva sua marca (ou grife) de fitness wear, dedicada à pesquisa de modelagem, estamparia, marketing e venda superou expectativas com sua garra e tino artístico na confecção de inventivas coleções.

Apostando na modinha vigente ou nas artes visuais DAO dá um show de criatividade e inova sempre. Suas estampas exploram temáticas incomuns para a moda fitness e por causa disso ela sempre se sobressai. Entre tie dye, paetês, jeans, olhos gregos, cartela da pantone, suas estampas também transitam o universo das Artes com referências à grandes nomes como Mondrian e Yayoi Kusama. A street art não escapa, com interferências dos respingos das tintas do spray e os simbólicos desenhos da tatuagem urbana. Sua mais recente e deslumbrante coleção é dedicada aos mistérios do universo (e talvez, à nossa Era de Aquário). Suas estampas de constelação são simplesmente arrebatadoras.

DAO é corajosa e se destaca porque não teme críticas ou represálias. Orgulho de poder ter conhecido e continuar convivendo com esta pessoa que é pura generosidade e talento! Depois de termos vivenciado juntas tantos momentos profissionais legais, como meu primeiro BsB Mix, mais tantos outros bazares e @garimpotrich com a @ilimitadaae eu ainda posso me gabar de ser sua garota propaganda. Obrigada, DAO! Sucesso sempre!

Dao na mostra Mondrian, no CCBB - DF


Instagram na Marca @daofitness


domingo, 23 de janeiro de 2022

Do Wood ao Mood

 Conheci Gregory Kravchenko pelas redes sociais. A abreviação do complicado pronunciar de seu sobrenome carimba toda a produção de design executada com maestria em madeiras legais de reflorestamento devidamente documentadas. Krav Design surgiu a partir de muitas pesquisas, estudos, desafios (e claro) de berço! Filho de imigrantes russos (daí a complexidade do sobrenome) e árabes (sempre pertinazes): 

"Gregory cursou faculdade de computação e trabalhou como designer no começo da internet. Morou na Califórnia e de volta ao Brasil cursou Design de Produtos com especialização no Istituto Europeo de Design - IED São Paulo. Assim passou a dar aulas de tecnologia de produção no eixo Brasil-Itália. Com a carreira se fortalecendo nessa área, resolveu ainda fazer mestrado em engenharia de produção" (Ufa!!! fonte: Uol).

E não para por aí, Greg é um cara legal pacas! Criativa e aberta à parcerias, a Krav Design capacita jovens profissionais e dá aquele apoio aos "calouros" para surpreendentes colabs, que tem tudo para ser sucesso. Experimenta a simbiose entre materiais diversos como o ferro onde denominou a Coleção Goiânia com pés inspirados nos monumentos da capital. Há sempre o desafio para aproveitar o máximo que a matéria-prima possa oferecer, por isso a coleção FDT foi desenvolvida para dar solução a grande quantidade de resíduos gerados com madeiras nobres promovida por outros ousados projetos. O banco da coleção é composto por mais de 36 tipos de madeiras diferentes. Demais, né não!

A presença da marca na primeira Edição do @garimpotrich (2018) foi a sensação do momento. Seu mobiliário e utensílios encheram o espaço e os olhos do público. A ambientação do evento ganhou um ar orgânico, vivo e cheio de charme. A cor, a textura e o cheiro da madeira são verdadeiras memórias afetivas. Sementes que brotam da terra dando origem à nossa relação fraterna com a Natureza, com o aroma das flores, enfim seus frutos para nos manter saudáveis, as brandas sombras para nosso aconchego, o galho forte para nosso balanço, a madeira de lei e de luxo para grandiosas mesas, cadeiras, poltronas, bancos, a madeira tratada para o fundamental alicerce de nossas casas, a tábua para cortar a carne dos nossos churrascos, a colher de pau para mexer o papa do bebê. Uma preciosa matéria-prima pronta para nos servir e com a Krav, servir com muito design!

Enfim do wood ao mood!!!

A próxima geração da Krav


Banco FDT com carimbo da marca

@garimpotrich, mostra "Simples Suspiro" , 2018

domingo, 9 de janeiro de 2022

Caçula

Dizer-vos-eis que sou idiossincrática quando se trata do escritor pernambucano, Gilberto Freyre, principalmente sobre o seu épico “Casa-Grande & Senzala”. E aos que ainda não sabem, carrego tatuado no braço esquerdo o título homônimo do livro, desde 2002. Foi, inevitavelmente, amor à primeira vista, inclusive porque iniciava minha jornada nas artes marciais da capoeira, onde conheci uma dupla de irmãos apelidados com este substantivo próprio composto e descubram voces,  quem era o irmão feio e quem era o irmão bonito!?

“Casa-Grande & Senzala” me acompanhou durante três ininterruptos anos, digo o livro, até que eu conseguisse, enfim, terminar. Ali descobri um mar de conhecimento que abrange história do Brasil, sociologia, antropologia, psicologia, culinária, etimologia, biologia, moda, geografia e por aí vai. Não sou uma leitora ávida, mas depois da trilogia de Freyre não vejo muita graça em romances best-sellers ou blockbusters de plantões. Nossa formação como nação, meu nêgo, não nega atrocidades como as cantadas em canções nórdicas por irlandeses, islandeses e escoceses, ou ainda das repulsivas embarcações bárbaras, sujas, bravias e encarnadas de sangue. Talvez parecêssemos mais com os fados portugueses, uivantes de dor e solidão, em preces plenas numa terra fria e distante, ou seus antecedentes, os mouros, os árabes, oriundos de terras quentes, de gastronomia forte e nutritiva.

Nossa origem europeia harmonizada pelo solo tupi e temperada com dendê e açafrão culminou em misturas férteis de saberes, sabores e sensações.

"Na Bahia, no Rio, no Recife, em Minas, o trajo africano, de influência maometana, permaneceu longo tempo entre os pretos. Principalmente entre as pretas doceiras; entre as vendedoras de aluá. Algumas delas amantes de ricos negociantes portugueses e por eles vestidas de seda e cetim. Cobertas de quimbembeques. De joias e cordões de ouro. Figas de Guiné contra mau-olhado. Objetos de culto fálico. Fieiras de miçangas. Colares de búzios". 

(pg 313 - 22ª Edição, Livraria José Olimpio Editora, 1983, RJ)

E continua:

“As palavras africanas hoje do nosso uso diário, palavras em que não sentimos o menor sabor atravessado do exótico, são inúmeras. Os menos puristas, escrevendo ou falando em público, já não tem outrora, vergonha de empregá-las. É como se nos tivessem vindo de Portugal, dentro dos dicionários e dos clássicos; com genealogia latina, árabe ou grega; com pai ou mãe ilustre. São, entretanto, vocábulos órfãos, sem pai nem mãe definida, que adotamos de dialeto negros sem história nem literatura: que deixamos que subissem, com os moleques e as negras das senzalas às casas-grandes. Que brasileiro – pelo menos no Norte – sente exotismo nenhum em palavras  como caçamba, canga, dengo, cafuné, lubando, caçula, quitute, mandinga, camundongo, munganga, cafajeste, quibebe, quengo, quiabo, batuque, banzo, mucambo, bangüê, bozô, mocotó, bunda, zumbi, vatapá, caruru, banzé, jiló, mucama, quindim, mugunzá, malungo, birimbau, tanga, cachimbo, candomblé? Ou acha mais jeito em dizer ‘mau cheiro’ do que ‘catinga’? Ou ‘garoto’ de preferência ‘muleque’? Ou ‘trapo’ em vez de ‘mulambo’? São palavras que correspondem melhor que as portuguesas à nossa experiência, ao nosso paladar, aos nossos sentidos, às nossas emoções”. (pgs 333/334 )

A palavra em questão, cuja idiossincrasia me instiga sempre a recitar os escritos de Freyre é 'Caçula'. A tomo emprestada dos dialetos bantos da África, carinhosamente representada pela filha mais nova da família. 

Sem mais delongas me atrevo a recitar também os versos do baiano, Caetano Veloso:

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. 

Ilustra o texto "Colar Búzios", braço tatuado e desenhos de árvores dos artistas Carlos Cordeiro e Wés Gama.