domingo, 17 de setembro de 2023

Poteiro

Ícone da art naif e consolidado como um dos maiores expoentes do estilo no mercado internacional, o português naturalizado brasileiro por excelência, Antônio Poteiro (1925-2010) foi reconhecido e assim apelidado pela "manualidade esmero" (como profere o influencer, Filipe Grimaldi), só que na cerâmica. 

Antônio esculpia potes de barros e inventava, replicava e dissertava a história brasileira em seres híbridos, animais nativos, vegetação, mitos e uma série de temas bíblicos que eclodiram numa explosão de cores nas milhares de telas que pintou ao longo de seus 85 anos.

A simplicidade encantadora de suas esculturas, potes massageados e modelados em rostos, corpos e entidades do sincretismo transitaram pela tinta em bidimensão estampando utilitários, principalmente potes, no brilho esplêndido do óleo, técnica reservada apenas aos veteranos e corajosos que se comprometem verdadeiramente com as Artes Plásticas.

Antônio Poteiro atravessou o oceano para se descobrir índio, um pajé, um ser humano que se despiu da supremacia européia para entender que viemos da lama, do barro, da barreira e da barbaridade das convenções. Uma criança adulta desenhando o mundo como realmente é, sem frescuras, sem luxo, ou monstruosidades, mas cheio de cores, dores e conexão com a Natureza.

Poteiro, talvez mais do que muitos nacionalistas por aí, soube estudar e registrar os feitos folclóricos, religiosos, profanos, ricos e miseráveis de nossa nação. Um legítimo ermitão. Costumava chamá-lo de Papai Noel, Papai Smurf, por causa de sua longa barba branca e seu misterioso ar de bruxo. Um mago da arte, alquimista do barro, malabarista das cores. Sempre vivendo e aprendendo com os legítimos gurus da arte.

Ilustra o texto pintura em pote de cerâmica por Antônio Poteiro e obra "O Mundo II" que recepciona quem chega em nosso jardim. Te esperamos para a Mostra Cultural de Cerâmica "Barro CO ntemporâneo" que começa na próxima quinta e sexta, dias 21 e 22 de Setembro com interação em torno de argila, designers e professores de cerâmica, jardim agraciado pela arte urbana dos artistas Morbek, Larovisk e Fabiano Apce (SP), bebidas especiais da Vice Soft drinks, degustação de aguardente, comida gourmet e muita música boa!

Salve a data e venha conhecer as infinitas possibilidades deste projeto!





domingo, 10 de setembro de 2023

O barro e o sopro da vida

 A maior casa de leilões da atualidade, a Sotheby's anunciou a disponibilidade para lance do Joseon Dynasty Korean Moon Jar (1392 - 1910), cuja  queima da argila branca sofreu uma pigmentação despropositada,  caracterizando o aspecto do satélite da Terra no jarro redondo utilizado como recipiente de vinho e também para outros rituais. Avaliada em U$ 3 milhões (ou 15 milhões de reais) é estimado que o preço atinja valores superiores.

O tríptico Dropping a Han Dynasty Urn (1995) do artista chinês Ai Wei Wei acaba de ser vendido por 800 mil euros. A obra é o registro de três cenas fotográficas do artista largando a valiosa urna no chão como crítica aos atos de vandalismo na sequência da Revolução Cultural anunciada por Mao Tse Tung, em 1966.

É notório, na 35ª Bienal Internacional de São Paulo a ocupação de cerâmicas nas instalações de artistas predominantemente de povos originários. A matéria-prima do barro, tão antiga quanto seus relatos nas mitologias africanas, indígenas, greco-romanas, bíblicas e darwinianas ainda se destaca como protagonista na origem da humanidade:

"Tudo começou quando Prometeu esculpiu um homem de barro e Zeus (deus de todos os deuses), deu-lhe o sopro da vida".

Através do barro nasceram lendas, mitos, tragédias, "macunaímas", deuses esculpidos, utensílios, produtos industrializados, adereços de design e o conforto terapêutico do exercício de modelar expandindo um gigantesco mercado que angaria cada vez mais adeptos.

A magia do barro está, literalmente, na sua organicidade, sendo um material extraído da natureza sem adição de agrotóxicos, produtos químicos, fertilizantes, corantes ou conservantes. Ele é a mais pura e escancarada matéria da qual viemos: da lama, da gosma, da crosta, da camada mais inconscientemente familiar.

Presenciei, no mês passado, a aula aberta do artista marroquino M'barek Bouhchichi,  no Atelier e Escola de Arte Sertão Negro, sobre a sua trajetória artística. O artista expõe na Bienal uma sequência de jarros de cerâmica com poemas cravados e contou, em Agosto um pouco sobre o seu processo de estudo, pesquisa e produção, cuja investigação dos materiais é baseada em experimentos e resgate, onde questiona hierarquias culturais e divisão estabelecida de trabalho e valor. A obra que ilustra este texto é Les Mains Noirs (1995), As Mãos Negras, a mão-de-obra negra, as mãos fechadas de centenas de trabalhadores esculpidas em cerâmica, fortalecendo o discurso contínuo das comunidades que ainda convivem com o abuso de poder.

O barro pode ser e se tornar muitas coisas: um objeto de uso cotidiano, uma biojoia, uma escultura, uma instalação ou um discurso crítico sobre a jornada da Humanidade. Salve a data e venha conhecer as infinitas possibilidades do barro no nosso Jardim!

Barro CO ntemporâneo

21 e 22 de setembro

das 17h00 às 21h00

Rua 12, nº 12 Jardim Goias 




domingo, 3 de setembro de 2023

Mãos que educam

 "Eu sou a terra, eu sou a vida

Do meu barro, primeiro veio o homem

De mim veio a mulher, veio o amor

Veio a árvore, veio a fonte

Vem o fruto e vem a flor"

Cora Coralina

A poetisa goiana que encantou e encanta gerações descreveu em versos a rústica vida de uma mulher letrada, nascida no interior de Goiás, numa vila alastrada pela exploração do ouro que contaminou nascentes, mas sobreviveu em meio à terra vermelha cor de sangue, propícia ao exercício fértil na feitura da cerâmica.

Da época do garimpo em que "homens vinham do barro", sujos e contaminados, logo vinham mulheres cobertas de amor, limpando a casa, a sala, o quarto, colocando a flor no jarro, enfeitando o lar, colorindo a terra, adocicando as frutas na panela de cobre e exercendo a artesania como modo de vida paciente e cuidadoso. O barro, matéria-prima da região, se tornou joia preciosa para um povo que foi tão explorado por tolos para obter louros. A tradição de modelar a argila, pesquisar e comercializar a cerâmica nasceu da necessidade coletiva, onde mulheres se organizaram e experimentaram uma nova demanda produtiva para vislumbrar uma renda familiar a mais.

A Associação dos Artesãos de Goiás no Largo do Rosário, desde 1977 vem reforçando e preservando a cultura popular regional na medida em que valoriza seu trabalho e transmite às novas gerações.

Na cidade de Ipameri foi idealizada e fundada, desde 1966, a Associação Boa Nova que se tornou exemplo de trabalho social, acolhendo menores de rua e dando lhes oportunidades através da música, artesanato e educação. "Mãos que educam" é o slogan da Oficina-escola de cerâmica artesanal que produz a terracota, ou cerâmica vermelha decorativa e utilitária que atende 100 alunos de 14 a 17 anos.

Ao adquirir uma cerâmica, além de consumir um produto ecologicamente correto também ajuda a fomentar uma rede de apoio às mulheres, mães, crianças, filhos, professores, produtores, designers e toda uma cadeia produtiva que está intimamente conectada ao meio ambiente.

Salve a data para conhecer este evento e outros que virão. Você é nosso convidado, convidada, convidadis!