domingo, 3 de outubro de 2021

Divagar é preciso


Certa vez, numa despretensiosa conversa com um crítico de arte goiano, divagando a respeito do Movimento Neoconcreto, chegamos à conclusão que este foi o maior e mais significativo evento da arte brasileira. Não querendo desmerecer a Semana de Arte de 1922 seguido do Manifesto Antropofágico, ou movimentos afins da década de 60 como Grupo Frente e Ruptura, mas no aspecto sóciocultural do contexto histórico ele impactou mais a nossa auto afirmação como cultura genuína do que qualquer outro. A proposta do Manifesto Neoconcreto (1959) escrita pelo escritor Ferreira Gullar (1930-2016) sugere uma experiência com sensações táteis entre espectador e a obra de arte, revela uma empatia às formas geométricas e sublima (em nossa opinião), mesmo que imperceptível um gosto pelas cores e formas indígenas. Mas é claro que esse "programa de índio" foi só uma divagação, porque as bases estruturais do Neoconcretismo foram fundadas a partir de teorias e práticas quase que totalmente científicas. Sua maior referência foi a escultura Unidade Bipartida, destaque da Bienal Internacional de São Paulo (1951) do artista suíço Max Bill, que englobava o Teorema de Pitágoras, a Tabela de Fibomacci e Fita de Moebius. Onde a arte indígena entraria nisso tudo é uma grande teoria da conspiração, mas que o nosso papo rendeu, rendeu...

Fui convencida piamente, através da minha particular trilogia literária, que todo e qualquer movimento artístico brasileiro tem o pé na cultura indígena. “Casa-Grande & Senzala” de Gilberto Freyre (PE), “Viva o Povo Brasileiro”, de Ubaldo Ribeiro (BA) e “O povo Brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”, de Darcy Ribeiro (MG) são livros que tem em comum a dissertação sobre o processo de formação sociocultural brasileiro. Pode até parecer loucura, porque não sou nenhuma PhD ou Doutora na área, mas é inevitável pensar em geometria, ou na cor do vermelho encarnado, ou na proposta de interatividade sem resgatar nossas origens ancestrais, nossos rituais, nossa característica primitiva de ser. Numa passagem do livro de Freyre ele ressalta a fenomenologia do filósofo, Merleau Ponty, quando relaciona o paradoxo sobre a rede indígena, onde o repouso é a consequência de um movimento.

Nessa ideia desenvolvi minha pesquisa na joalheria. Minha produção inicial foi com fios de cobre e alumínio esmaltados, cujo manuseio me presenteou com salientes calos, que até hoje preservo nas palmas das mãos. Resultado de uma frenética execução artesanal, decidi frequentar oficinas e cursos de ourivesaria para simplificar meu sofrido e calejado trabalho manual. Doce ilusão, a joalheria é uma arte para dedicados e pacientes artesãos. Enfrentar o cadinho e sua temperatura, medir força e técnica com o laminador, além da cuidadosa percepção e experiência para saber fazer soldas é um trabalho para quem tem vocação. Por isso, decidi executar protótipos e desenhos para materializar peças inspiradas nas teorias do Neoconcretismo, mas sem esquecer da minha origem, do meu passado, da minha tatataravó pega à laço pelo libidinoso tatataravô português.  

Se eu divaguei com o crítico de arte goiano, por que não divagar aqui com vocês, não é!?

Ilustra o texto Pingente Cubos com dobradiças. Foto Rafael Manson.











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