domingo, 1 de outubro de 2023

Insólitos em comum

Na História da Humanidade os primeiros artistas foram denominados de coletores, porque coletavam toda infinidade de objetos que lhe eram úteis ou não, para sua sobrevivência. Fossem eles pigmentos para registrar seus feitos nas cavernas, suas caças, suas crenças, conchas, pedaços de paus, galhos, madeiras, ossos, pedras, tudo, tudo que estivesse ao seu alcance. Artistas, artesãos, aficionados, afetados, apaixonados ou acumuladores, toda coleta tinha um propósito.
Recordo de quando conheci o artista Rodrigo Flávio em fins dos anos 90, ambos éramos virgens e inocentes, coletando experiências e objetos para uma jornada inesquecível no universo das Artes. Lembro que mamãe realizou sua primeira mostra individual, as paredes vivas e coloridas da Galeria me pareceram um debut da estação primaveril da nossa puberdade em ascensão. O prenúncio de uma caminhada em tons fortes, vívidos, reluzentes e quentes. Viajamos juntos, para montagem da mostra coletiva na Galeria de Arte de minha tia, em Campo Grande/MS. Tudo foi um aprendizado divertido de dois adolescentes descobrindo os prazeres e dores do amor e do sexo. Visitei Rodrigo em seu primeiro ateliê, no Setor Novo Mundo, quando assumiu publicamente seu primeiro namorado. Nossas coletas emocionais foram um tanto sincrônicas, em períodos de descobertas ambíguas da dura realidade de se tornar adulto. 
Minha primeira curadoria foi a mostra coletiva GYN 7, em 2006, onde, dentre os sete artistas goianos, estava Rodrigo Flávio e sua inconfundível paleta de cores viva e quente. Nesta época o artista já havia coletado uma diversidade de elementos que vieram fazer parte das formas e contrastes de sua pintura. Eram massinhas de modelar que se transformavam em esculturas e fotografias, objetos de piquetes que se transformavam em castelinhos de madeira que pareciam mais fortalezas militares, sua coleção de vidros, espelhos, a modelagem no gesso e seus índios em resina, seus pinceis, suas tintas, suas plantas, sua coleta sem fim...
A partir da separação de meus pais e consequentemente o distanciamento de minha mãe da Galeria, Rodrigo alçou outros voos coletando sonhos insólitos de artista goiano em território latino americano. Meu sonho insólito foi vivenciar a maternidade, a cama, mesa e banho. Duas jornadas opostas se convergindo hoje para um impulso em comum, um maior compromisso com a cultura, Rodrigo na contínua busca por coletas artísticas e eu coletando "flores" para o Jardim.
Admirada e feliz pela retomada deste querido artista é gratificante dizer que fiz parte de sua história e trajetória. Percebo em suas coletas um amadurecimento viril que emerge de falos esguios de seus objetos étnicos e uma percepção mais construtiva das formas geométricas em sua pintura, sem abandonar a característica paleta de cores, mas que, por ora, adquire tons um pouco mais amadeirados, amarronzados, enfim, mais adulto ou sombrio.
É isso, querido coletor, insólitos ou incomuns, porém sempre impulsionados pelo inconsciente coletivo da Arte. Embora nossos caminhos seja incomum, ou no trocadilho, em comum à Arte, almejo que nossas vidas continuem da cor de sua paleta: sempre colorida e quente! 
Vida longa à suas coletas!

Mostra GYN 7, em 2006, na Marina Potrich Galeria
Objetos de madeiras coletadas pelo artista para mostra "Impulsos Insólitos", 2023, na Vila Cultural Cora Coralina (imagem website)

 

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial