domingo, 3 de julho de 2022

Origem brasileira

 O estudo da etimologia das palavras e a verificação de nossa evolução fonológica talvez sejam a chave para identificar como uma cultura tão diversificada fundou seu próprio dialeto. Pois sendo tantas as apropriações que interagem dentro do nosso vocabulário, advindas de línguas tupis e tribos africanas, ou mesmo em gírias, cacoetes e vícios gramaticais vindos do latim, francês, italiano, inglês and what ever é quase uma heresia dizer que praticamos a língua portuguesa! Seria impossível acreditar que ninguém ainda não saiba  que o forró veio da expressão: for all, uai!

A palavra favela, por exemplo veio do termo fava, uma planta que nascia nos terrenos onde a população mais carente da sociedade se estabelecia e construía seus barracos. O berimbau é um instrumento musical primitivo que tem suas raízes africanas, conhecido como urucongo, ou urucungo. Para sua confecção se utilizam madeiras que envergam, mas não quebram, sendo preferencialmente cortadas em estações específicas do ano. As mais populares são o guatambu e a beriba, nome que remete ao termo do instrumento e que tem origem no tupi.

"Berimbau, um pedaço de arame um pedaço de pau"

O significado de biriba é pequeno, pouco, um pedaço de pau pequeno para se fazer um arco musical. Se observarmos cuidadosamente nossa língua perceberemos que é tão miscigenada quanto nossa nação. Tá tudo tão misturado que fica difícil saber o que veio de onde e para onde vai. Quem sabe está aí a magia da vida, a mandinga, o mistério. 

Denominavam se mandingueiros, os escravos africanos que sofriam árduos castigos de seus senhores, mas não desfaleciam. Acordavam no dia seguinte vivos, sóbrios e ainda fortes para trabalhar.

Um dos mais belos achados deste livro é ter sabido ler, na gramática corporal da capoeira, uma teoria política – a dialética da mandinga – cujo calculo está no aproveitamento dos espaços vazios deixados pelo poder e cuja prática se realiza no exercício da sedução sobre os poderosos, arma talvez universal dos fracos (O mundo de pernas pro ar, Letícia  Vidor de Souza Reis, 1997, orelha da capa do livro).

Os espaços vazios das praças, do pelourinho, das senzalas, das favelas... Uma manifestação que ainda clama por mudanças políticas, econômicas e sociais. 

Outra palavra que sofreu variação e carrega consigo os mesmos vestígios da capoeira foi samba. Oriunda da palavra semba, do quimbundo, que significa oração, há estudos que enxergam uma semelhança com a origem tupi, cama ou camba.

A análise do escritor Luíz Antônio Giron,  para a extinta Revista Bravo, sobre a origem e descendência do samba vai conforme as teorias do antropólogo Darcy Ribeiro. No artigo "O samba no formol" (2002) ele revitaliza a cultura brasileira, justificando essa manifestação como mérito da nossa miscigenação:

Além de tudo é necessário pôr a questão no seu devido lugar. O samba não é negro, como também não é branco e nem índio. De fato, o gênero resulta da miscigenação dos brasileiros e suas diferentes   origens. A origem do termo pode ter sido africana, mas com o tempo, assumiu novos corpos e se misturou com todas as etnias que tinha à disposição. Samba não consiste em gênero puro, mas mestiço; não tem origem definida e diz respeito a todos os brasileiros independentemente de cor ou raça.

Sem mais, me atenho a concluir que somos vários povos num só, conectados por um dialeto inventado. Por isso, quem ainda insiste em dizer que não gosta de samba, "bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça, ou doente do pé"!

Ilustra o texto, imagem do Mestre Camisa pelo fotógrafo André Cypriano e Colar Berimbau.









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