domingo, 13 de março de 2022

A vida é um suspiro

 Aprendi a cozinhar observando primeiro minha mãe, depois minhas avós e só mais tarde me atrevi a fazer  receitas publicadas nos rótulos de cremes de leite, farinhas de trigo e integral, aveias e de outras embalagens afins. Mas o ponto do suspiro ou merengue foi papai quem me ensinou. Ele adorava bater as claras em neve num prato fundo de porcelana e dois grafos justapostos, que para ele era um desafio físico e sua penitência para poder saborear a sobremesa sem culpa. Depois de acrescentadas as colheres de açúcar nas claras em neve, o ponto era a homogeneidade e consistência da mistura, não podia escorrer do grafo até o prato. Nenhum fio. 

Sozinha eu aprendi o segredo de colocar gotinhas de limão para balancear o gosto e o cheiro das claras do ovo, descobri também a temperatura certa para o bem e bom assado da iguaria. O mais curioso desta história é a origem do merengue. Enquanto, alguns historiadores afirmam que veio da Alemanha, pelas mãos de um suíço, outros dizem que foi um polonês que levou a receita à França. Há os que confirmam que sua origem foi pela graciosidade gastronômica dos italianos, cuja hipótese é a que mais me identifico (rs). Outra curiosidade foi o nome de batismo do doce, que foi dado pelo poeta José Galvez Bar, na justificativa de que a sobremesa poderia ser associada ao suspiro de uma mulher, um deleite, um prazer, um orgasmo.

A vida e o orgasmo são mesmo um suspiro: deliciosos, prazerosos e fugazes. Passam assim como um tufão, como canta Lulu Santos: "Tamanha a pressa de chegar, a nenhum lugar, só para ter a sensação, de que a vida passa assim como um tufão". Transformar este tufão em doces lembranças, é que são elas! 

O suspiro, para mim, é memória afetiva. A lembrança das batidas compassadas e estridentes dos garfos sobre o prato de porcelana, o cheiro quente e doce que exalava do forno, a mordida que despedaçava em pedaços a crosta crocante da clara assada com açúcar é uma alquimia que só uma sinapse histórica poderia guardar. 

Em homenagem ao doce realizei a Coleção "Simples Suspiro", em 2018 contemplando a natureza e a brasilidade no ensaio fotográfico com a parceria de Lian Tai. Para este texto, ilustro com o Colar "Cobertura de Cubos" e fecho em madeira talhada por artesão de Trancoso/BA sobre suspiros feitos por mim. 

Estão servidos?


2 Comentários:

Blogger Cristina Dourado disse...

Sim, aceito o merengue em qualquer oportunidade, sob o deleite da boa narrativa de vida!

13 de março de 2022 às 18:32  
Blogger TatianadePoT | blogsPoT.com disse...

Venha se deleitar e deliciar qdo quiser!

14 de março de 2022 às 06:06  

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