O enigmático
O
enigmático
Penso ser bem apropriado, nos tempos
de hoje, um artista brasileiro ter o apelido de Tunga. Mais comum em países
subdesenvolvidos, a tungíase é uma
doença infecciosa de pele causada pela fêmea (Tunga penetrantes), o vulgo bicho-de-pé. Antônio José de Barros
Carvalho Mello Mourão é o Tunga, um enigmático cidadão do mundo, que além de
conservar um mistério acerca da localidade de seu nascimento, sempre nos
surpreende com obras estranhamente familiares e extremamente intrigantes. Pois
foi assim mesmo que me senti! Acometida misteriosamente pelos sintomas de uma
incessante coceira e irritação nos nervos, que ora aliviava, ora agravava, ao
meu primeiro contato com o livro "Tunga
- Barrocos de Lírios", editado pela Cosac & Naif, em 1997.
O livro traz uma poética trajetória
artística com registros fotográficos e primordial diagramação, dada a qualidade
das imagens dos trabalhos e suas descrições. Desde então o que mais me intrigava
era o complexo enredo que o artista criara sobre sua obra Xifópagas Capilares (1985). Através de cartas e poemas dum
dinamarquês, o texto no livro, intitulado Xifópafas
Capilares entre Nós, descreve o mito de origem de um povo nórdico e relata
o nascimento de xifópagas e capilares, que gerou discórdia, discussões e desavenças
no país. A narrativa abrange atitudes morais da sociedade e coloca em evidência
preconceitos e a salvação através do amor. Depois de lido e relido, recordo-me
ainda de divagar à respeito da Rapunzel, cujo final da história, em algumas
versões, conta que tendo sido cortados seus cabelos pela bruxa, passa longo
período de fome no deserto, mas reencontra seu príncipe e vivem felizes com
suas filhas gêmeas no reino.
Tunga dedicou este livro à sua mãe e à
sua tia.
Em outubro de 2010, numa entrevista do
artista à Revista Piauí, dei por mim que suas obras tem um sentido muito mais
profundo que supostamente acreditava. Seu avô, Antônio de Barros Carvalho era
muito amigo do famoso artista Alberto da Veiga Guignard, que em 1940 pintou a
tela, "As Gêmeas". As irmãs
eram Léa, mãe de Tunga e sua tia, Maura. Quarenta e cinco anos depois, Tunga
apresenta a performance Xipófagas
Capilares, onde duas meninas compartilhavam uma cabeleira enorme.
Trago aqui recente imagem de Lézart
(1989), que está na Galeria Psicoativa
de Tunga inaugurada em 2012, no Instituto Inhotim. A sensação que tive ao revisitar
sua obra foi aquela coçadinha que alivia e até desperta um certo prazer,
entretanto este é apenas o início de uma "infecção psico-artística". Uma
reflexão à respeito de alguns valores humanísticos há de nos penetrar paulatinamente,
muito além da pele.
Comungo com as observações do curador
Luiz Camillo Osório: "Todo mundo
concorda que os trabalhos dele falam do inconsciente, do desejo e da
transformação biológica de suas obras, mas esses temas complexos problematizam
ainda mais a sua produção (...) apesar de sempre ter tentado entender o Tunga,
nunca consegui de fato. A graça dele está
nesse enigma."
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