domingo, 17 de março de 2024

Sabedoria Ancestral

"Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem" 
(Rita Lee)

Há sinais e ensinamentos muito mais próximos de nós do que possamos imaginar, aprendizados que nenhuma Faculdade ensina, conhecimentos e sabedoria que levamos por uma vida toda. 
Eu, como uma boa capoeirista (mas nem tanto praticante) decorei versos e cantigas de capoeira que levo como mantra diário, patuá de proteção, via de regra ética, que dizem assim: "Eu não vou na tua casa, pra você não vir na minha. Tua boca é muito grande, vai comer minhas galinha" ou "Tudo se faz na vida, pra ajudar um companheiro. Dá-se a mão ao camarada, ele quer seu braço inteiro". 
Há também aprendizados para discernirmos entre o que e quem queremos e não queremos ao nosso lado, como no caso da aspirante a universitária que me falou com convicção que "Mulher não pode beber. A bebida é um veneno pro corpo da mulher e intoxica seu espírito".
Não sei se eu concordo muito com isso, minha mãe, por exemplo, tem outro ponto de vista, ela diz que o problema não está na bebida, mas nas más companhias, essas, sim, causam bastante ressaca na gente. 
Minha vó paterna já optava por um meio-termo, dizia que a bebida pode ser um elixir para a saúde, desde que ingerida com moderação. No caso, uma mulher menstruada não deve beber nesse período, ela deve ter sossego, repouso e também evitar carnes pesadas.
Acho isso de uma sabedoria ancestral admirável! Vovó tinha uma maneira leve de levar a vida. Observava tudo com atenção sem dizer uma palavra, mas quando abria a boca, tudo a sua volta silenciava. 
Minha professora de yoga disse que a barreira mais perigosa que impede a evolução do espírito é falar mal das outras pessoas. Ninguém transcende a alma julgando o outro, afinal enxergamos no próximo os nossos próprios defeitos.
O autoconhecimento é um hábito diário e se policiar para não ser multado pela lei do retorno é um desafio cotidiano. Como cantava Chico: "Todo dia ela faz tudo sempre igual"... 
Viver a constância de um modo diferente, é que são elas.
O mapa astral é um dos caminhos para o autoconhecimento, nele podemos enxergar nossos limites, nossas facilidades e onde repetimos nossos erros. Nos quadrantes observáveis através do posicionamento dos astros, se estabelece traços  de nossa personalidade, de nossa casa afetiva, do nosso corpo. Se entendemos que cada planeta tem sua energia, seu elemento dominante, sua força no Cosmos, por que não teríamos também, dentro de nós, o nosso próprio universo particular energético?
Pseudo-ciência ou não, vovó acreditava em signos, acreditava nos astros, acreditava que não deveríamos tomar decisões muito importantes em períodos de pico de Lua Cheia, acreditava que a comida feita com amor curava as doenças do coração, acreditava que uma oração era tão poderosa quanto uma vacina. Vovó era uma sacerdotisa, uma feiticeira, uma maga, uma cigana, uma bruxa, como queiram denominá-la, porque, no meu testemunho, ela tinha poderes mágicos. Há de ressaltar, que sua mãe, minha bisavó, não foi nenhuma médica famosa, mas foi parteira de mão cheia, ajudou muitas alminhas a virem para esta dimensão. Foi através delas que intensifiquei o interesse pelas coisas místicas, pela escuta da intuição, pela sabedoria ancestral que transcende a genética e está além da exosfera.
Ensinamentos que carrego comigo para o meu autoconhecimento, como observar meu ciclo menstrual através das fases da Lua, respeitar minhas limitações e aceitar que minhas derrotas são sempre entre mim e mim mesmo. Entender que dentro do meu universo particular existe caos, existe ordem e existe paz.
Foi dentro desta atmosfera cósmica e ancestral que pensamos na mostra "Terra Plena", projeto contemplado pela Lei Goyazes. Esperamos vocês para uma mostra cheia de ancestralidade e magia, luz e paz no dia 22 de Março!

Detalhe da obra do artista Tarcísio Veloso, para mostra do Projeto "Terra Plena", contemplado pelo Programa Lei Goyazes
 Ficha Técnica  da mostra "Terra Plena" com abertura no dia 22 de Março a partir das 19h




domingo, 10 de março de 2024

Alto Astral

Se a Astrologia tivesse a origem no Brasil, certamente o primeiro signo do horóscopo teria sido o Aquário.
Aquário é o signo que finaliza o mês de Janeiro e inicia o Fevereiro. 
Fevereiro é o mês do Carnaval, o mês de Iemanjá, o mês do nascimento do pai do reggae (Bob Marley). O mês que sinergiza o verão, em oposição ao inverno do Hemisfério Norte, aqui o Sol esquenta a ânfora do aguadeiro e amorna o nosso clima tropical.
Aquário é o signo da transformação. 
Sem desmerecer os demais (mas já desmerecendo, como uma boa aquariana que sou e sigo sendo sempre chata), mas é por causa mesmo de todas as benesses deste mês, que é tão generoso, curto, cheio de ginga e samba, cheio de água e leveza. 
A verdade nua e crua é que na Astrologia, o Calendário Solar se inicia no fim de Março com o signo "fogo na roupa", de Áries. Materialista nato e com tino para farejar os seus, Áries ora queima, ora é queimado, mas sua chama também se rende para aquecer corações desencorajados. 
Daí você me pergunta: por que é que eu acredito em horóscopo? Camaradas, eu acredito em terapia, em constelação familiar, em reza de benzedeira, em oração de vó, em bênção de padre, em passe de espírita, em sermão de pastor, em filosofia de bolso, em batuque de terreiro, em harih om de yogi, em teoria da conspiração, em Universidade Federal, eu acredito até em extra-terrestre, por que eu não acreditaria em signos? Se os psicanalistas e os constelacionistas, ou se os astrólogos e os astrônomos, ou se os céticos e os religiosos, se conflitam, isso não é da minha conta. Eu estou aqui para conflitar comigo mesmo, competir e confrontar com o meu ego, expulsar meus pensamentos negativos e o povo que me aguente.
Toda forma de autoconhecimento é bem-vinda, se não te agrada a verdade, um rivotril vai te manter anestesiada por algum tempo, depois dele virão tarjas pretas piores. Para facilitar no processo de enfrentamento das verdades pode-se começar aprendendo e entendendo mais sobre os mistérios e os místicos do mundo afora. Já dizia Albert Einstein: "a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original". Se deixar conhecer é a maior e a melhor das viagens, aceitar e saber de onde vem o ranço é simplesmente libertador. O medo é normal, afinal o que a gente (ou o nosso ego) quer é saber o que o futuro guarda de bom. Queremos uma bola de cristal, uma vidente sobrenatural. Então pessoal, vou lhes jogar um balde d'água fria, isso é coisa de charlatanismo. Só quem se conhece pode prever o futuro para si. Ninguém pode dizer a nós mesmos quem somos. Cabe a cada um a sua busca interna, a sua procura e descobertas, suas curiosidades, seus questionamentos e seu interesse por si. Fácil não é, mas ninguém disse que seria impossível. 
Vem com a gente nessa viagem pelo Cosmos para transitar pelos signos, pelos símbolos, pelos sinais sutis que a vida vai deixando. E então, apertem os cintos, para conhecer um projeto de autoconhecimento formatado por uma ariana FOGO e uma aquariana ARteira. 
Reserve a data do dia 22 de março, quando o Sol acabou de entrar em Áries e a Lua Crescente começa a se encher. Programe sua visita e venha desfrutar de um passeio literalmente alto astral.

Lari Mendes (a ariana) e Tatiana Potrich (a aquariana)
Detalhe da fachada do Jardim Potrich, Projeto "Terra Plena", contemplado pelo Programa Goyazes
Símbolos e signos do Zodíaco e suas respectivas constelações (Pinterest)
SAVE THE DATE







domingo, 3 de março de 2024

A origem do dragão

Na astrologia chinesa, o ano lunar de 2024 é considerado o Ano do Dragão. Assim como no horóscopo zodíaco, o horóscopo chinês é regido por 12 signos simbolizados por animais da cultura chinesa. Até a semana passada poderíamos considerar o dragão um estranho bicho que perambulava pelas fábulas, lendas e histórias de princesas, no entanto, uma descoberta recente de paleontólogos complementou a pesquisa sobre a existência dele no período Triássico, cujas características, que pareciam ser de um inconsciente coletivo distante, se tornaram realidade.
As primeiras representações de dragões provêm da China e datam de mais 6.000 anos. Foram descobertos em objetos cerâmicos e pequenos amuletos de jade. Em razão de seu porte e estatura, o dragão dividiu opiniões, ora sendo um leal guardião de tesouros e impérios, ora devastando povoados com sua brasa escaldante. 
A exemplo da literatura cristã, a duvidosa lenda de São Jorge da Capadócia contra o Dragão distorce 'arquétipos' e encobrem uma interpretação que fica entrelinhas. Conta a lenda que sua mãe, nascida na Palestina, educou o filho na fé cristã. Jorge entrou para a carreira das armas e então, ganhou o título de 'santo militar', um santo padroeiro. Também é considerado um modelo 'virgem' masculino, o que é um tanto controverso, por isso para vincularem sua imagem ao homem másculo e guerreiro, tiveram de inventar um 'inimigo' implacável, que o transformasse num grande mártir cristão.
Há uma sátira contemporânea que sintetiza esse tipo de fábula infantil: "E finalmente, o príncipe chegou ao castelo com sua poderosa espada, mas foi a princesa quem salvou o dragão". A animação "Shrek" (2011) aborda muitas outras sátiras aos contos infantis, inclusive criando o personagem do dragão com uma fêmea que se casa com um burro. 
A recém-lançada live action, da Netflix "Avatar, a lenda de Aang - o último mestre do ar" (2024), resgata o roteiro do mangá e da série do anime (2005) num compilado de episódios que discorrem sobre os mitos, arquétipos e aventuras oníricas no universo da filosofia oriental. Na mitologia chinesa, o Dragão simboliza abundância, sorte, prosperidade e fortuna. Ele é o mestre, a fonte do fogo, na nação dos Guerreiros do Sol. Ele não só domina a chama quente da paixão, como também a chama fria da consciência. Orientado, no mundo dos espíritos, pela figura do Dragão e guiado pelos seus profundos questionamentos, Aang, o avatar tem de enfrentar seus maiores desafios: o medo e as decisões entre o que escolher e o que renunciar.
A onipresença de seres e criaturas nas fantasias e ficções representam nossa necessidade em criar um mundo de imaginação e gostos em comum, onde o estranho, o exótico e o diferente ganham uma conotação afetiva, coletiva e convergente. Filmes como "Meu amigo Dragão"(2016),"Como treinar o seu Dragão 1, 2 e 3"(DreamWorks 2019) e a série "Príncipe Dragão" (Netflix 2018) são resultados de como esse estranhíssimo protagonista ganhou a simpatia de espectadores e de toda uma geração ocidental ainda um tanto alienada sobre os milhares de anos jurássicos e seus desdobramentos na mitologia oriental.
Sinais estelares indicam que a vida está em movimento, nada é estático, o mundo gira assim como as convicções engessadas, mal traduzidas e equivocadamente interpretadas.
Antes do Dragão ser morto por São Jorge, ele já era um mito importante nas celebrações e rituais chineses e sempre foi símbolo da imortalidade, da união dos contrários e do poder divino. Antes de Galileu ser obrigado a refutar suas teorias, ele comprovou que a Terra era redonda e que ela girava em torno do Sol. Antes de inventarem deuses transvestidos de humanos, os egípcios veneravam o Sol como uma entidade sagrada. 
Revisitar o passado e investigar as profundezas de nossas origens é um exercício de aprendizado para projetarmos prosperidade e lucidez ao futuro, nos orientando, sempre que possível, através da filosofia, da história, das descobertas científicas e da Natureza para enfim, compreendermos melhor nossos maiores desafios.
Ilustração do anime japonês,  "A viagem de Chirico" (2001)
Fóssil de Dragão chinês descoberto do período Triássico
Intervenção em mural de praça pública na cidade mística de São Jorge, Chapada dos Veadeiros
Fachada do Jardim Potrich por Morbeck e Larovisk com símbolos e elementos da astrologia oriental, astrologia ocidental e bioma brasileiro inspirado na xilogravura

 .

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Dualidade Tóxica

"Uma visão de mundo dramaticamente dualista leva inerentemente ao sofrimento. Tem sido feito por milênios, em religiões a tarefa autodeclarada de criar separação entre nós e a experiência do divino. Isso é igualmente verdadeiro em política, economia e relações humanas. Todos organizados em uma estrutura hierárquica de poder".

O fim do sofrimento (audiobook), J.J. Hurtak e Russel Tarq

O audiobook dividido em 10 capítulos explana metafisicamente as questões intrínsecas do ser humano em relação à Ciência, Filosofia e Divino. Disseca os embustes que permeiam o sofrimento usando como exemplo a repetição de padrões comportamentais e sua persistência em doutrinas falidas. Sociedades dominadas por dogmas religiosos, autoritarismo político, desigualdades sociais, descrédito no futuro, depressão e uma série de episódios que persistem em existir por falta de conexão à Natureza e conhecimento básico da psique, resulta numa sociedade doente física, mental e sexualmente.

Certa vez, papai que era um observador da Natureza e há tempos se familiarizava com a vida rural, relacionou o termo “alcoviteiro” com um tipo de boi do pasto. É dito que o “rufião”, um macho capado, sabe distinguir entra as fêmeas as que estão propícias a entrarem no cio e, assim, as sinalizam ao touro, o macho alfa apropriado a enxerta-las.

Pode parecer animalesco, mas isso acontece entre os seres humanos e é mais comum do que se possa imaginar. A confusão se dá quando não distinguimos o que de fato é instinto, intenção e intuição. Agir como seres espiritualizados é o que nos distingue dos animais e vegetais. Desenvolver virtudes para nos tornarmos seres mais compassivos, empáticos e éticos são propósitos universais nem tanto praticados, mas muito almejado por poucos.

O sofrimento vem da ignorância e a falta de interesse sobre as coisas difíceis da vida. Há um irônico ditado no Yoga que diz: “se tá fácil, tá errado”. É verdade que ostra feliz não produz pérola, mas depois de pronta, a joia preciosa, se finaliza o propósito e faz se valer o sofrimento. É certo que o sofrimento ajuda a crescer, a amadurecer e a valorizar os momentos de alegria, mas permanecer no sofrimento já é burrice.

Ainda sobre o mal das forças duais, o audiobook descreve sobre a origem dos termos divino e diabo. "Do sânscrito, divino significa a deusa Diva, em intersecção para Deus e diabo, do sânscrito vibhäga, significa divisão. Então a divisão acontece quando se entende que existem duas forças no mundo, como, por exemplo, o calor e o frio. Em verdade, existe apenas o calor e a ausência de calor. A energia e a ausência de energia, a luz e a ausência de luz. A escuridão em si não pode ser uma fonte, isto é, ela não tem uma origem, ela é simplesmente a ausência de luz, a falta de lucidez, o não uso das habilidades divinas". Portanto, o sofrimento é a ausência do Divino, a ausência da consciência, da Ciência.

Tudo está conectado, não há divisão de espaço num universo microscópico. Historicamente, todas as religiões têm a mesma origem, tanto sobre consentir a unicidade da Criação, quanto na comprovação científica da geometria sagrada e as proporções áureas da Natureza. 

Sincretismo, etimologicamente, do grego “synkretismós”, que significa união, mistura, combinação é um ajuste social de como uma fusão cultural pode unificar crenças e a conexão com o divino, com a Diva, com a Natureza.

"E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas, por adaptação". 

(Terceiro mandamento da Tábua das Esmeraldas - Cabalion)

A professora e arquiteta Saída Cunha em monitoria na mostra de seu acervo particular, admirando Nossa Senhora negra, pintura do artista e também professor renomado no Estado de Goiás, Frei Confaloni
Jorge Henrique Papf, fotografia, Babá brincando com criança, 1899
"A relação ambivalente que se estabelecia entre amas negras e seus sinhôs era tão frequente que virou um trágico lugar-comum, mesmo depois de finda a escravidão" 
Livro: Um olhar sobre o Brasil, Boris Kossoy, 2012
O Touro e a Menina Destemida, esculturas icônicas no centro financeiro de Wall Street, 2017, retrata a força feminina encarando um sistema econômico selvagem, poderoso e agressivo 






 



 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Scala Dei (Escada de Deus)

“E teve um sonho: e eis, era posta na terra uma escada cujo topo tocava nos céus e eis, que os anjos de Deus subiam e desciam por ela”. Gênesis 28:12

No cristianismo, no espiritismo, no esoterismo, no xamanismo e tantas outras correntes espiritualistas a visão estética da escada pode ser interpretada como uma grande cobra, ou a serpente sagrada, ou em escala microscópica a dupla hélice do DNA, elo vital que está entre o céu e a terra. Artistas, teólogos, teosóficos, filósofos, cientistas, curandeiros, pajés, feiticeiros, mandingueiros e tantos outros estudiosos do “além”, interpretaram e investigaram nossa origem e existência no universo tendo em comum único berço esplêndido: Zeus, ou Criador, ou Cosmos, ou Sophia, ou Mãe Natureza, ou Prima Mater*... Em comum também são as imagens que permeiam antigas escrituras, hieróglifos, relatos orais, lendas e mitologias que nos mantém unidos pela mesma questão: de onde viemos?

Fontes científicas hipotéticas especulam sobre a Panspermia Cósmica, o pó de explosões interplanetárias, meteoros, meteoritos e cometas que ao longo de bilhões de anos deixaram rastros no nosso planeta permitindo assim que ebulições, evaporações, reações químicas e adversidades de temperatura se tornassem propícias ao desenvolvimento de uma cadeia invisível de aminoácidos.

O elo entre a atmosfera interna, da externa do planeta, representada pela espiral lúdica de uma 'escada-serpente' seria também a cosmovisão dos antigos povos originários através de clarividências, mediunidade, rituais psicodélicos e sonhos. Não digo apenas dos africanos ou indígenas, mas dos sumérios, egípcios, babilônios, mesopotâmicos, gregos e romanos.

Símbolo inconfundível na Medicina, a cobra simboliza a dicotomia terrestre, o veneno que mata e o antídoto que 'ressuscita'. A história da Humanidade é contada e descontada, ora envenenada por mentiras, ora curada pelas verdades. Civilizações que atingiram seu apogeu, logo conheceram sua decadência em jornadas cíclicas, assim como períodos de excessiva abundância que culminaram em extrema escassez, como são as consequências de guerras, conflitos e revoltas.

As voltas e reviravoltas das marés, das fases lunares, do movimento das constelações e das órbitas dos planetas nos dizem muitas coisas: “A última vez que Plutão esteve em órbita com o signo de Aquário vivenciamos a Revolução Francesa, que foi o início da Idade Contemporânea. Em sua penúltima passagem, Copérnico apresentou o heliocentrismo e saímos do lugar de centro do mundo para ser apenas mais um planeta girando em torno do Sol. O homem como centro do universo foi marca do Renascimento em contraposição ao pensamento da Idade Média, que era a religião” (Instagram @ob.ser.vatorio)

Pois bem, entramos na Era de Aquário para ficar até 2044. Mais um trânsito planetário para nos situarmos no universo. Somos tudo e nada. Somos apenas a consciência cósmica que nos liga através de um código genético gerado há milhares de anos atrás por moléculas extraterrenas.

Não por acaso a escola de samba campeã deste ano no Rio de Janeiro trazer como tema a cobra mítica do nordeste africano, Arroboboi, Dangbé. Para diversos sistemas de crença, como a nação jeje, o réptil tem poderes de regeneração, vida, transformação e recomeço, como também na mitologia nórdica, cultuada pela imagem da ourosboros, a grande serpente abraça o mundo e engole o próprio rabo para se regenerar.

Para finalizar incluo a imagem do livro, Pequeno Príncipe numa abordagem “Desvendada” pelo esotérico, Hícaro de Castro:

“Se observarmos a imagem com atenção veremos que a serpente se enrola sete vezes ao corpo do animal, e está preste a engoli-lo pela cabeça. Nada é por acaso. Essa representação pode apontar para o homem primitivo e animalizado, o próprio ego que pode ser devorado pela cabeça (pensamento) quando se desperta dentro de si a força da serpente sagrada. As sete voltas fazem referência aos sete pontos energéticos do corpo (filosofia oriental), que estão sendo ativados”.

Contudo, a 'Serpente Sagrada' está dentro e fora. Dentro de nós como a escada do DNA, a dupla hélice em escala microscópica. Por fora a escada macro, a grande subida (ou descida) física, mental e espiritual que traçamos para atingir a sabedoria, o conhecimento, o respeito à grandeza infinita do Universo (ou de Deus*).

Capela Sistina, "O pecado original", Michelangelo, 1508
Estudo para escada em espiral por Hilma af Klint, 1880
Caduceu de Hermes, símbolo da Medicina
Imagem do livro Pequeno Príncipe, 1943





domingo, 11 de fevereiro de 2024

Brasil Encarnado

A fabulosa mostra "Bancos Indígenas do Brasil", da Coleção Beī, aberta dia 06/02, na Vila Cora Coralina me fez dar um salto temporal e voltar à mostra da Bienal em comemoração aos 500 Anos de Redescobrimento do Brasil, no ano 2000, no Parque Ibirapuera. Dividida pela temática de acontecimentos no país, a Oca abrigou, além da Arqueologia, o núcleo das Artes Indígenas incluindo uma seção dedicada às inscrições rupestres da Amazônia datadas de 11.200 anos atrás. Apresentou a diversidade das sociedades indígenas brasileiras e reuniu objetos ritualísticos e outros de uso cotidiano recolhidos desde o século XVI até a atualidade.
Reza a lenda e uma antiga mitologia indígena que Kayeb, a Grande Cobra Cósmica, está entre as constelações mais importantes da astronomia Palikur. Kayeb, que é também pajé, avô e fontes das águas, tem uma mão: o Cruzeiro do Sul. Foi ao longo de anos, que a tribo Palikur, guiada pela mão da Grande Cobra Cósmica, ou Cobra de Sete Cabeças para outras tribos, ou Cruzeiro do Sul para os astrônomos da modernidade, previam e marcavam as cheias dos rios pela posição aproximativa que a constelação ocupava no céu. 
"Kayeb se move no céu ao longo do ano, quando a chuva cai as pessoas dizem: 'a mão de Kayeb caiu'." (Lux Vidal, antropóloga, USP). 
O formato da Kayeb, a meu ver uma cobra provida de mão, se assemelhou muito à iguana marinha, um réptil, cuja classe dos seres vivos seria um elo entre os peixes e os mamíferos, como especulam os evolucionistas. (A fotografia de Sebastião Salgado da pata ou "mão" deste réptil me impressionou muito sob este aspecto, ou ainda os relatos de Jeremy Nardy no livro 'A Serpente Cósmica: o DNA e a origem do saber').
Antes do contato com os europeus, os povos originários mantiveram uma relação muito íntima com a astronomia e o xamanismo. Seja por instinto ou intuição, os indígenas se organizaram a ponto de ter um calendário lunar para plantar e colher, realizar seus rituais litúrgicos, confeccionar suas indumentárias sagradas, fazer suas conservas e delegar a divisão sexual do trabalho. 
Certa vez um antropólogo preguntou ao índio qual o motivo de se enfeitarem tanto nos rituais, o índio respondeu que os animais da Terra foram criados com toda beleza, cores e virtudes, mas nós humanos viemos ao mundo nu, sem nada, sem escamas, couro ou plumagem, então precisamos nos enfeitar, nos pintar para sermos belos, assim como os animais. 
Exímios artesãos e artistas, os indígenas apresentam virtudes extraordinárias no talhar da madeira, no bordar dos adornos, no pintar da geometria, no moldar da cerâmica, no cantar, no dançar.
A mostra "Bancos Indígenas do Brasil" é itinerante e passou pelo Pavilhão Japonês Ibirapuera, em junho do ano passado. Foi também, maravilhosamente montada, resgatando o vermelho do urucum, para a pintura de todo o salão de exposição. Esta cor remete ao sangue derramado de confrontos com colonizadores, tribos rivais, testes mortais de sobrevivência. Não só de balas, arcos e flechas, machadadas, facadas e dentadas, mas sangue de estupros, abortos, chacinas biológicas e vinganças antropofágicas. Nossa história é como a cor vermelha, cor da brasa, cor do pau-brasil. É a cor que espanta maus espíritos, mau-olhado. Vermelho é a cor das feridas, que nos alerta o quanto somos vulneráveis, violentos, perigosos e mortais.
Considerações finais
Nota de falecimento ao fotógrafo Rafael Costa, que curiosamente faleceu um dia antes da abertura da mostra em Goiânia. Costa se juntou à constelação de Palikur integrando ao pó e ao brilho das estrelas, comemorando lá de cima o seu nobre propósito aqui na Terra: capturar a alma indígena e revelar para nós como são e o que fazem nossos parentes mais próximos.
Um bom domingo de Carnaval!

 Montagem da mostra "Bancos Indígenas do Brasil", Coleção Beī, no Pavilhão Japonês Ibirapuera
Rafael Costa, fotografia
Artefatos indígenas da Coleção Beī: bancos e a Kayeb, no Centro Cultural Vila Cora Coralina
KAYEB, "Grande Cobra Cósmica", 
Coleção Beī
Etnia:  Palikur, Região: Calha Norte,
Artista: Uwet Manoel Antônio Santos
Sebastião Salgado, fotografia, iguana marinha, Galápagos


domingo, 4 de fevereiro de 2024

Círculo Ciclo Cíclico

Agraciados pelo feliz tema do Baile da Vogue 2024, "Galácktica" e mais os desdobramentos da Semana de Moda, que ganharam espaços astronômicos nas mídias, destaco uma grife, em especial, dentre tantas outras, a eterna italiana Elsa Schiaparelli. Dona de um DNA legítimo e uma ousadia sem limites, a marca mantém o casamento bem-sucedido com a arte surreal, tendo sua origem de inspiração nas obras do artista espanhol, Salvador Dalí. 
Vestido de lagosta, chapéu de sapato, colares de insetos, bolsa com fechadura, botão de cavalo, broche de boca e tantas outras fixações por bichos, partes do corpo e objetos derretidos - indispensáveis elementos, que integraram telas, roupas e acessórios transgressores na primeira metade do século XX. A química existente entre estes dois artistas se baseou também na excentricidade e engajamento místico. 
Dalí realizou, em 1967, uma série de gravuras inspiradas nos doze signos do zodíaco, cuja tiragem de apenas 150 cópias, atualmente se tornou um artigo bem disputado no mercado internacional. 
Do latim para o grego antigo zodiakos, de zoon para animais e kyklos para círculo, a tradução 'círculo de animais' é uma faixa celeste do firmamento, dantes representada pelos signos zoomorfos dos antigos astrólogos babilônicos, que são as constelações, identificadas pelos astrônomos contemporâneos, até hoje, com os mesmos nomes dos Deuses politeístas e seus regentes. 
Investigando o cosmos, os sonhos e o corpo humano, a jornada da manifestação artística cria ciclos de descobertas e aventuras metafísicas e que resgatam conhecimentos milenares e mitológicos cada vez mais relevantes.
A designer-artista multicisciplinar, a carioca Paola Vilas também se embebeda nas fontes infinitas do Surrealismo e misticismo. Lançou a "Coleção Zodíaco" de joias inspiradas no horóscopo, em 2022. Seja por inconsciente coletivo, a grife brasileira de origem judaica, a H.Stern, além dos amuletos de signos, constelações, cometas e estrelas, da "Coleção Gênesis", em 2015, lançou também, anteriormente, em 2009, a "Coleção Galilei" inspirada nas galáxias. 
Ainda mais atual e astral foi a cerimônia temática da estilosa herdeira das artes na capital da garoa, a curadora e colecionadora Camila Yunes Guarita de Mesquita, que escolheu uma decoração astrológica para celebrar sua festa de noivado e, posterior, despedida de solteira. Numa ousada produção, a socialite paulistana encomendou um vestido com desenho exclusivo dos quadrantes astrais do casal, pelas mãos da renomada estilista mineira, Glória Coelho.
Por aqui, 'no Goiás', a gente está preparando um projeto cósmico, que tem histórico cíclico iniciado há exatos 20 anos atrás, com a Revista 1 a 0, por Lucia Bertazzo e Laris Mendes. 
Será um casamento celestial entre o horóscopo e a arte contemporânea numa mostra multicultural com grafite, desenhos, pinturas e astrologia. Aguardem o Projeto Terra Plena!  

Reprodução de obras de Salvador Dalí para porcelana, 1978

Elsa Schiaparelli, Capa rosa bordada com Sol, 1938
Paola Vilas, Coleção Zodíaco, 2022
HStern, joias da Coleção Gênesis, foto de 2023
 
Vestido de noivado de Camila Yunes Guarita de Mesquita por Glória Coelho, 2022

Circle Cycle Cyclical

Grateful for the joyful theme of Vogue Ball 2024, "Galactic," and the unfolding events of Fashion Week, which have gained astronomical attention in the media, I highlight one brand in particular among many other highly acclaimed ones: the timeless Italian Elsa Schiaparelli. Possessing a genuine DNA and boundless audacity, the brand maintains a successful marriage with surreal art, originating from the collaboration with the Spanish artist Salvador Dalí.

Dressed as a lobster, shoe hat, insect necklaces, lockable purse, horse button, mouth brooch and many other fixations on animals, body parts, and melted objects – indispensable elements that integrated canvases, clothing, and transgressive accessories in the first half of the 20th century. The chemistry between these two artists was also based on eccentricity and mystical engagement.

In 1967, Dalí produced a series of engravings inspired by the twelve zodiac signs, with only 150 copies printed, now a highly sought-after item in the international market.

From Latin to ancient Greek, zodiakos, from zoon for animals, and kyklos for circle, the translation 'circle of animals' refers to a celestial band of the firmament once represented by the zoomorphic signs of ancient Babylonian astrologers, now identified by contemporary astronomers with the same names as the polytheistic gods and their rulers.

Exploring the cosmos, dreams, and the human body, the journey of artistic expression creates cycles of metaphysical discoveries and adventures, reclaiming ancient and mythological knowledge that remains increasingly relevant.

Multidisciplinary designer and artist from Rio de Janeiro, Paola Vilas, also immerses herself in the infinite sources of Surrealism and mysticism. She launched the "Zodiac Collection" of jewelry inspired by the horoscope, in 2022. Whether through the collective unconscious, the Brazilian brand of Jewish origin, H.Stern, in addition to zodiac amulets, previously released the "Galilei Collection" inspired by galaxies in 2009.

Even more current and celestial was the thematic ceremony of the stylish heiress of the arts in São Paulo, curator, and collector Camila Yunes Guarita de Mesquita, who chose an astrological decoration to celebrate her engagement and later bachelorette party. In a bold production, the São Paulo socialite commissioned a dress with an exclusive design of the couple's astral quadrants, created by the renowned designer from Minas Gerais, Glória Coelho.

Here in Goiás, we are preparing a cosmic project, with a cyclical history that began exactly 20 years ago with Revista 1 a 0, by Lucia Bertazzo and Laris Mendes. It will be a celestial union between the horoscope and contemporary art in a multicultural exhibition featuring graffiti, drawings, paintings, and astrology. Stay tuned for Projeto Terra Plena!


domingo, 28 de janeiro de 2024

Ai vs. AI

Uma recente declaração de um produtor brasileiro de bandas de rock, que era influente nos anos 90, causou polêmica e paradoxo sobre ativismo artístico.  Para sair do ostracismo, o 'pseudo-influencer' de meia-idade declarou: "Precisamos urgentemente de artistas novos que não sejam militantes de nada. Que sejam contra a manada, contra o sistema, contra tudo até, mas que tragam algo de novo". 
Em seu último projeto o artista chinês, Ai Weiwei tem transmitido perguntas, principalmente filosóficas, sobre assuntos como humanidade, ciência e política em grandes telas de Londres e de outras cidades como Seul, Berlim e Milão. Cada uma das perguntas é respondida por Ai Weiwei e pela AI-Inteligência Artificial (Chat GPT) para assim serem publicadas no site e nas mídias do CIRCA (Cultural Institute of Radical Contemporary Arts), onde também é aberto um canal ao público de escreverem suas  respostas. Serão realizadas 81 perguntas no decorrer de 81 dias, que foi o período em que Ai Weiwei esteve preso na China, no ano de 2011 e implacavelmente interrogado. (Fonte @artequeacontece) 
A pergunta 7/81 resgata a polêmica declaração dada pelo nosso produtor brasileiro militante de nada: 
"Se um artista não é ativista, ele/ela ainda pode ser considerado um artista?"
Essas indagações e contradições me fizeram lembrar da entrevista concebida por Bernardo Paz, o fundador do Instituto Inhotim à Revista Trip, em 2013, quando declarou que a obra de Beatriz Milhazes não passava de uma apropriação de imagens de cortinas inglesas. Ele queria dizer que não havia discurso crítico, engajamento filosófico, conflito ou qualquer impulso de raciocínio quando se observa a pintura da pintora. Se trata apenas de um deleite com formas e cores bonitas, ponto. Uns milhares de tons sobre tons de Milhazes, sem militância.
Obras como a de Adriana Varejão "tem por trás uma curiosidade, o Ernesto Neto tem uma diversão e uma alegria que se traduzem para a criança, o Cildo Meireles tem a perspectiva da morte". A militância ou ativismo não se trata de escolher um lado político, se trata de ter liberdade para questionar a brevidade da vida e como aproveitá-la com sabedoria, em coletividade: "se os humanos algum dia forem libertos, será porque fazemos as perguntas certas e não porque fornecemos as respostas certas", pondera Ai Weiwei.
Nós temos muitos artistas novos fazendo música sem militância, meu 'querido influencer', mas escuta só no que deu: "macetando, macetando, macetando"... 
Quem diria que a artista que um dia dividiu o palco com Maria Bethânia, hoje se exporia sem pudor, com dancinhas sensuais no tik tok, na batida frenética do funk de mulheres de ventres vazios.
Há de se pensar em como queremos que as próximas gerações entendam o presente para projetarem um futuro menos burro, vulgar, superficial e acomodado. Como diria o mestre ao seu discípulo:
"você reconhece a inteligência de um aluno pela pergunta que ele faz".

O militante artista Ai Weiwei apontando o dedo do meio para o poder (via DAZED)
Créditos Morgan Sinclair, cortesia Avant Arte


 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Sociedade branca, cansada e perdida

Num compilado do primeiro mês do ano, algumas questões pertinentes e desconfortáveis vieram à tona através da escrita, da fala e da atuação de mulheres de meia-idade, brancas e libertárias. A colunista do Jornal Folha de São Paulo, Tati Bernardi escreveu um artigo com uma ligeira indireta a suas leitoras e a si própria, que deu no que falar, intitulado: "Toda mulher branca está cansada". 
A atriz, escritora e multifacetada, filha de Fernanda e Fernando, deu uma entrevista, para a TV Cultura, no Programa Roda Viva esmiuçando o drama atual da sociedade: "a questão do intelectual libertário, hoje em dia, é um pouco privilégio de alienado. Eu acho que quem está meio perdido hoje é o branco libertário, pessoas como eu (e você) ... O problema é que o intelectual branco, antes era porta-voz do povo e hoje o povo fala por si. Eu olho o programa do Mano Brown, ele sabe exatamente o que ele quer, o que ele está fazendo. Quem está perdido somos nós."
E o último dedo na ferida, a personagem de Rosamund Pike, que interpreta uma mulher branca, embora nem tanto cansada, mas bastante perdida, do filme 'Saltburn' (2023), da diretora britânica Emerald Fennell. Indicado ao Oscar 2024 e com um histórico de filmes como 'Bela Vingança' e 'Barbie', a diretora britânica, também branca, bebe nas águas de 'O Talentoso Ripley' e reinventa a história da relação tóxica de uma família rica, excêntrica e egocêntrica, com um convidado acima de qualquer suspeita.
Dentre a cansativa e perdida vida mediana (ou medíocre) de mulheres brancas, ora também ricas, está em voga a 'decadência' de seus respectivos homens brancos, tão perdidos e quase tão 'surtados', a exemplo da notícia do cancelamento da vinda ao Brasil de um pastor norte-americano, que adota textos pró-escravidão.
Perdidos e estranhos também são os discursos psiquiátricos de um médico branco que 'ressurgiu' com as teorias de Lacan para falar bonito aos pacientes e complicar a simplicidade de sermos humanos, humanistas.  Até nosso vizinho latino-americano, que na cansativa lida político-ideológica, se confundiu a respeito do conceito de coletivismo.
Como já dizia Mano Brown e seus comparsas dos Racionais MC's: 
"Mas eu conheço o sistema, irmão
Aqui não tem santo"
Bora descansar rapidinho, estudar bem o trajeto para não ficar perdido no meio do caminho e continuar sempre em frente, irmãos.

Cena do filme Saltburn (2023), disponível na Prime Vídeo

 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Tiozêra

Inúmeras foram as reformas e reinaugurações do Centro Octo Marques, antigo Museu de Arte Contemporânea, no icônico Edifício Pathernon Center. Uma delas, em especial, marcou minha experiência a exposições de arte por lá: a inauguração da mostra "Grandes Tristezas", do artista mineiro Farnese de Andrade. 
A tão esperada e famosa coleção particular de Sebastião Aires de Abreu finalmente seria exposta ao público goiano, em 2002. Tião, generosamente, abriu seu 'porão' e escancarou a verdade oculta de seus desejos, prazeres, angústias, horrores e medos.
Como narrativa emblemática de um tema sombrio e mórbido, a obra do mineiro nos conquista pela arqueologia criativa, sensibilidade e beleza estética de objetos que parecem ter saído de antológicos pesadelos, ou impressões litúrgicas premonitórias.
Além de sinistras, as obras são críticas, astutas, audazes e perceptivas, obras que transitam entre o orgânico (material) e o espiritual (imaterial). Obras que desnudam seu colecionador até o último fio de cabelo, cujo impacto de suas imagens foi literalmente tatuado nas costas deste excêntrico mecenas, que também 'acumula' dezenas de obras do goiano Siron Franco, em seu 'porão'.
Já dizia Carl Jung:
Qualquer árvore que queira tocar os céus, precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos.
Tião vem fazendo esta ginástica, se esticando entre os 'quintos dos enfermos' ao Paraíso. Constrói essa ponte dicotômica com uma diplomacia exótica e democrática.
Expande sua coleção e investe em talentos goianos com vigor e fé.
Invoca a feminilidade e afetividade em sua coleção através das delicadas mãos de uma mulher negra, porém numa pegada mais kitsch e povera, de outra mulher, ironiza a sociedade de consumo.
Absorve a tensão de síndromes psíquicas, como a de alguns artistas bipolares e suas transgressões e rebeldias, no entanto ameniza essa estética com a lógica e a razão de formas geométricas que se multiplicam através do jogo de luz e sombras.
Tião tem uma coleção sóbria, lúcida e cuidadosamente seleciona sempre o que vai compor suas paredes, seu centro de sala, seu sagrado louvor profano à Arte.
Não nos cabe julgar, rotular ou pré-dizer sandices, escrevo do punho da criança que voou de helicóptero pela primeira vez e viu, num lindo dia de Sol, o quanto somos pequeninos lá de cima, no céu azul.
Foi um passeio inesquecível, quando ainda chamava Tião, o Tiãozêra, de "tio", "tiozêra". Foi só depois de comer muito feijão e experimentar muitas loucuras desta vida, que hoje, a criança crescida o considera um amigo, um tio descolado, um quase agregado na família Potrich, né não!?
O texto foi para parabenizar este 'Sinhõ', que completou mais uma volta em torno do Sol e comemorou em grande estilo seu aniversário na Cerrado Galeria, com a mostra "Um Mundo Próprio", pela curadoria de Divino Sobral. Continue rodando o mundo, Tião.
Muita saúde pra ti
imagem do instagram @tiaoabreu
"De olho até onde a Arte me leva... empresto e compartilho todo azul que posso ser" 
Ieda Jardim
imagem do instagram de @ieda_jardim

 

domingo, 7 de janeiro de 2024

Deriva

A mostra "Vida em Coisas" apresentada pelo CCBB-DF, até dia 21 de Janeiro, traz uma seleção representativa da dupla holandesa, Lonneke Gordijn e Ralph Nauta. Criado em 2007, o Studio DRiFT, na tradução para o português: 'deriva', cujo significado faz jus às elaboradas criações destes artistas, trata se da intersecção entre design e arte, tecnologia e natureza, mundo artificial e orgânico onde a dupla intercambia, inventa, fragmenta peças, situações, movimentos e memórias afetivas que provocam nossos sentidos, nos deixando à mercê da dúvida entre a ilusão da matéria e a realidade do sonho.
Eu diria que a mostra é um portal para a tão hipotética 'Matrix', cuja realidade sobre universos paralelos e quinta dimensão se manifestaria na abundância da Natureza e na potencialidade inventiva dos artistas mais sensíveis. 
Nos sensibilizando e nos conscientizando, o conjunto de obras atravessa a fronteira da arte contemporânea e cinética, nos abraça como uma sessão de terapia ou uma viagem interestelar. Converte nossas certezas num plano mítico e tecnológico que extravasa o exercício da paciência e da curiosidade. Que coisa é essa chamada 'Ego'? Fios invisíveis transformados numa gigantesca escultura cúbica flexível, que dança uma coreografia única cada vez que a música da ópera de Orfeu toca, ora se erguendo, ora desabando, ora se esticando para o lado direito, ora para o lado esquerdo, ora se divergindo em simetria. O quê, por fim, faz desta ordinária dança um espetáculo extraordinário? O caos, a ordem, a sua unicidade?
"Vida em Coisas" é apenas um recurso ilustrativo que a dupla holandesa concebeu para podermos explorar este movimento contínuo, belo e transitório de nos sentirmos vivos. 
A Natureza e a dimensão dos saberes artísticos, científicos e espirituais são muito mais infindas do que nossa vã filosofia pode imaginar. Fiquemos então, por hora, com estas reflexões das 'coisas' da vida:

"As coisas tem peso, massa, volume, tamanho
tempo, forma, cor, posição, textura, duração
densidade, cheiro, valor, consciência
profundidade, contorno, temperatura
função, aparência, preço, destino, idade, sentido
As coisas não tem paz"
'As coisas não tem paz', Arnaldo Antunes

CCBB-DF, vista panorâmica

Instalação Shylight, na Galeria de Vidro, CCBB-DF